Ética e Serviço Social
A presente reflexão[1] trata de questões pertinentes ao cotidiano profissional, com base especialmente nos Princípios Fundamentais do Código de Ética Profissional do Assistente Social e na observação de que "O Código de Ética nos indica um rumo ético político, um horizonte para o exercício profissional. O desafio é a materialização dos princípios éticos na cotidianidade do trabalho, evitando que se transformem em indicativos abstratos, descolados do processo social".[2]
Na atual conjuntura brasileira, podemos apontar o avanço da globalização, as transformações no mundo do trabalho; a exploração da força de trabalho; a extrema concentração de renda na mão de um pequeno grupo, em detrimento de uma crescente parcela da população à margem dos seus direitos de proteção; o desemprego; a prostituição infantil; a falta de moradia, de escolas, de assistência à saúde; o medo; as drogas; as várias formas de discriminação; a criminalidade, que anuncia o limite da constituição da pobreza, como alguns dos desafios que o Assistente Social enfrenta no seu cotidiano profissional, que o leva a questionar como concretizar o projeto ético político que norteia sua atuação.
Como construir um projeto de profissão baseado na igualdade, liberdade, dignidade, garantias de direitos, ampliação e consolidação da cidadania, defesa da democracia, eliminação de preconceitos, numa sociedade tão desigual. Creio ser esse nosso grande desafio.
Se a liberdade é o fundamento da ética e a moral é uma expressão do agir ético, para pensar em liberdade o indivíduo precisa sair do cotidiano, que é individualista, voltado para o eu, e partir para a atuação ética, baseada em escolhas e rupturas, voltadas para um projeto de sociedade e uma escolha consciente.
Se liberdade refere-se a condições concretas, podemos afirmar que no nosso cotidiano profissional, a luta pela liberdade concreta está em criar condições objetivas para escolher entre alternativas, respostas às necessidades.
Como levar essa população tão carente de direitos e necessidades concretas, a criar alternativas e fazer escolhas, se ela está cerceada em tais escolhas, se contentando com as poucas migalhas que lhes são passadas como forma de benefícios?
O conteúdo da ética se constrói no cotidiano da prática, no confronto dos conflitos, que exigem um posicionamento de valor, tendo o Assistente Social de tomar cuidado para que suas decisões não sejam embasadas em valores pessoais que possam estar em dissonância com os valores éticos profissionais.
Essas discrepâncias podem e devem ser discutidas coletivamente através de reflexões teóricas, discussões com os colegas, para a busca de possíveis respostas.
O profissional não pode deixar de se posicionar, mas precisa ser crítico em relação ao que é imposto pela sociedade dominante, pois o fundamento maior da ética está centrado no homem, ser social e histórico que, com o seu trabalho, transforma a natureza e se transforma.
Se o projeto ético político do Serviço Social está baseado numa concepção histórica que vê o homem como construtor de sua história, e nossa atuação está polarizada por interesses antagônicos (interesses de quem te contrata X interesses da população atendida), nosso maior desafio, é saber como enfrentar a questão social, que tem na pobreza, na exclusão e na subalternização suas grandes expressões no Brasil.
Como atender esse homem com base nessa concepção, se a reformulação do capitalismo, a flexibilização do processo de trabalho, alterou o processo de produção e acumulação, trazendo o desemprego, desencadeando um processo de desvinculação com as relações de trabalho, com os amigos, com a família, com a comunidade, aumentando a pobreza, formando um batalhão de excluídos, que chega ao Assistente Social em busca de uma resposta.
Creio que para enfrentar esses desafios, que nos são impostos no cotidiano de trabalho, lócus do imediato, e diante desse enorme abismo entre o Brasil legal e o real, em que os direitos constitucionais estão muito longe de serem alcançados na vida real, os Assistentes Sociais devem buscar sempre a capacitação, para que sua atuação não esteja voltada para o imediatismo, mas sim para uma reflexão maior sobre o papel profissional, com base no compromisso ético político e, também, teórico metodológico.
Como somos profissionais da intervenção, devemos saber fazer leitura ético política sobre a realidade, pois nosso ato profissional é responsabilidade nossa e não da instituição que nos contrata.
NOTAS:
1- Apresentada à Disciplina Ética, no curso de Pós Graduação Latu Sensu, Serviço Social na Área Judiciária, COGEAE/PUCSP, 2004.
2- IAMAMOTO, M.V. O Serviço Social na contemporaneidade-trabalho e formação profissional. São Paulo, Cortez, 1998, p.77.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROCO, Maria Lucia. Capacitação em Serviço Social e Política Social. Os fundamentos sócio-históricos da ética. Brasília: Cead, 1999.
CFESS. Código de Ética Profissional do Assistente Social. Brasília: CFESS, 1993.
BARROCO, M.Lucia, BORGIANNI, Elisabete. Conteúdo das aulas da disciplina "Ética", oferecida no curso Serviço Social na Área Judiciária - COGEAE/PUCSP-2004.
YASBECK, M.Carmelita. Conteúdo das aulas da disciplina "A questão social e as políticas sociais", oferecida no curso Serviço Social na Área Judiciária - COGEAE/PUCSP-2004.