Efeitos da negligência sobre o desenvolvimento psíquico da criança

Autor: 
Valdeléa Mendes,
Autor: 
Psicóloga do Fórum de Itapetininga há 17 anos. Especialista Lato Senso em Violência Doméstica (USP) e em Psicopedagogia

Raramente enfatizada pela mídia, a negligência, uma forma de violência doméstica contra crianças e adolescentes, não costuma provocar nas pessoas o mesmo impacto que a violência física e sexual. Nem por isso, deixa de trazer grande sofrimento às crianças expostas a ela.

     Muito pouco estudada, até a literatura especializada traz apenas menções e um ou outro texto sobre o tema. Isto, apesar desta forma de vitimização estar implícita na definição de Violência Doméstica (....todo ato ou omissão...).

     Ao contrário da Violência física e da sexual, democráticas, encontradas indiferentemente em qualquer nível socioeconômico, a negligência está mais associada á pobreza, sendo esta uma de suas causas (vide Viviane Guerra). Não significa que só ocorrerá nesta condição.

     Nas formas mais graves a vítima estará constantemente submetida à dor, fome, frio, chegando a correr risco de vida, quando pode ser necessária a retirada da criança do convívio com o cuidador negligente.

     Além das conseqüências para a saúde física, mesmo a negligência moderada, provocará impacto no desenvolvimento psíquico do indivíduo. O constante sentimento de desamparo, com muita freqüência, poderá forjar uma personalidade impotente e paralisada.
 
     Nesse caso, quando adulto, esse ser paralisado, frágil, atormentado por sentimentos exagerados de medo e insegurança, apresentará grande dificuldade em enfrentar os obstáculos da vida.
 
     A exposição a cargas maciças de frustrações, limitará a aquisição da capacidade de tolerar essa experiência interna.

     Quanto ao desenvolvimento intelectual, a criança pode ficar incapacitada para alcançar níveis mais desenvolvidos do pensamento. Aprisionada num funcionamento mais concreto, a limitação intelectual, que decorre tanto da escassa estimulação quanto serve como defesa, num esforço de manter a consciência afastada da dor psíquica, impedirá a aprendizagem escolar. Alguém nessa condição é um potencial candidato a constantes fracassos na vida. Como exemplo, não é sem razão que Winnicott associa a delinqüência aos cuidados insuficientes.

     Por outro lado, temos observado que a maior parte dos pais negligentes, também foram negligenciados por seus próprios pais. Evidencia-se, portanto, um padrão familiar de repetição.

     Aqui foram citados apenas alguns dos danos psicológicos causados pela negligência. Só os mencionados, são suficientes para demonstrar que crianças vítimas dessa forma de violência, ainda que em níveis moderados, podem tornar-se verdadeiros “aleijados psíquicos”, candidatos a repetidos fracassos caso não sejam socorridos a tempo.

     Daí a importância de compensar cuidados insuficientes através de políticas públicas já que, nem sempre, a retirada da criança de sua família é a medida mais indicada. Embora muitas vezes necessária, tal medida também provoca danos psicológicos e não raro, é percebida pela criança como mais uma vitimização.

Referências bibliográficas:
Azevedo, Maria Amélia, Viviane N. de Azevedo Guerra. Pondo os Pingos nos Is. São Paulo: Telecurso de Especialização em Violência Doméstica Contra a Criança e o adolescente, 1995, Volume 1 AB.

Bourne, Richard. Criança: Abuso e Descuido. In Maria Amélia Azevedo & Viviane de A. Guerra (orgs). Complemento de Leitura. São Paulo: Laboratório da Criança, IPUSP, 1993.

Guerra, Viviane de N. de Azevedo. Algumas considerações acerca do fenômeno da negligência. In Maria Amélia Azevedo Guerra & Viviane N. de A. Guerra (orgs). Complemento de Leitura. São Paulo: Laboratório da Criança, IPUSP, 1993.

Winnicott, D. W., Privação e delinqüência. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo, Martins Fontes, 1987.


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