Negligência: um fenômeno com muitas definições possíveis
O tema merece reflexão. Como avaliar a negligência? O fenômeno se insere nas formas de violência contra crianças e adolescentes. Mas, sua avaliação depende da perspectiva teórica adotada para definir o conceito.
O manual de orientação para educadores, Refazendo Laços de Proteção – Ações de Prevenção ao Abuso e à Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, do Instituto WCF do Brasil[1], situa o conceito entre as várias formas de violência doméstica. Diferencia-a de outras formas da violência estrutural – aquela que, sendo decorrente da própria estrutura econômica e social profundamente desigual e injusta em que vive grande parcela das famílias brasileiras, permanece invisível.
Esta experiência a que muitas crianças e adolescentes são submetidos pela sociedade e pelo Estado, pode ser considerada como uma primeira agressão, pois implica necessariamente, na violação de alguns direitos básicos da criança e do adolescente assegurados pelo ECA e pela CF. Contudo, ela se torna uma referência tão comum e naturalizada, que mantendo-se quase invisível, não se avalia o quanto tem sido danosa ao desenvolvimento de várias gerações de brasileiros.
Para estes autores, a negligência se caracteriza pela privação da criança e/ou adolescente de suas necessidades básicas e vitais, físicas e emocionais, a ponto de afetar seu desenvolvimento global.(p.16)
A negligência pode assumir uma característica de violação de direitos quando, mesmo tendo todas as condições necessárias para oferecer cuidados à criança, o adulto responsável não o faz. Diferencia-se, pois, da falta ou ineficácia nos procedimentos de cuidado em função de condições precárias de vida, materiais e de saúde, que impeçam ou dificultem a proteção da criança ou adolescente.
Daí a necessidade de atentarmos para a situação de pobreza e miséria em que vive um enorme número de famílias, a partir da qual muitas vezes decorrem privações como as citadas, independentemente da ação dos pais ou responsáveis pela criança ou adolescente.
O ECA dispõe que a condição de pobreza não justifica que os pais percam a guarda de seus filhos. Nessa situação, devem ser tomadas medidas que possibilitem à família reorganizar-se em termos socioeconômicos, de forma que ela mesma possa ser capaz de cuidar de seus filhos.
Nesta perspectiva, o Plano Nacional de Assistência Social prevê ações centradas nas famílias para provê-las em sua capacidade protetiva, por meio dos CRAS e CREAS. Conheça-o no site da AASPTJSP. Entretanto, pesquisas realizadas pelo IPEA[2] e pela AASPTJ-SP[3] sobre as razões de acolhimento institucional de crianças e adolescentes indicam que a maior parte o são por problemas relacionados à pobreza. Invariavelmente, a justificativa mais utilizada é a negligência. Sua avaliação, pelos conselheiros tutelares ou por nós, profissionais das Varas da Infância e Juventude, se dá muitas das vezes por critérios subjetivos. Diante da complexidade do tema e dos possíveis posicionamentos técnicos e políticos sobre a questão, convidamos os associados a dar inicio a um primeiro Grupo de Discussão sobre Negligência no Fórum do portal www.aasptjsp.org.br
Os textos aqui expostos serão os pontos de partida. Manifestem-se sobre eles, expressem suas opiniões a respeito. Vamos juntos construir referências capazes de nos orientar para o melhor entendimento da questão e, por conseqüência, para ações mais pertinentes à proteção dos direitos da infância e da adolescência visando garantir seu pleno desenvolvimento.
Notas:
[1] SAYÃO, Yara. Refazendo Laços de Proteção: ações de prevenção ao Abuso e à Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes. São Paulo, CENPEC: CHILDHOOD – Instituto WCF – Brasil, 2006.
[2] SILVA, Enid Rocha Andrade da (Coord.). O Direito à Convivência Familiar e Comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: IPEA:CONANDA, 2004.
[3] OLIVEIRA, Rita (Coord.) Por uma Política de Abrigos na cidade de São Paulo. AASPTJSP, 2004. (disponível no site www.aasptjsp.org.br)