A prioridade: Pessoas ou Processos
Quando fazemos de nosso trabalho algo mais do que a reprodução diária de uma tarefa, conseguimos transformar uma realidade.
Assim, cenas que não eram vistas saltam aos olhos. Palavras que nunca foram escutadas ecoam em nossa mente. O que antes não incomodava passa a ser intolerável. Através desta nova percepção, um outro sentido é formado para o cenário do cotidiano.
Curioso é andar pelos corredores das Varas Da Infância Juventude e Família, olhar para os processos nos cartórios e as pessoas no saguão.
Desde criança sabemos que a curiosidade leva a uma investigação e esta a uma conclusão. Seguindo este caminho, chego ao triste reconhecimento da discrepância existente entre a tratativa oferecida pela instituição, para as pessoas e para os processos.
Ouvimos com freqüência a preocupação dos magistrados com o bom funcionamento dos cartórios. Por isso estes locais são equipados com computadores, mobiliário e funcionários.
Por que o mesmo não ocorre com os setores de Psicologia e Serviço Social?
Tendo o contato direto com a população, por que nosso setor não é prioridade para o Tribunal?
Todos os dias recebemos pessoas, que em entrevistas são convidadas a falarem sobre o sofrimento de suas vidas, suas doenças, tristezas e intimidades. Isto ocorre em um ambiente barulhento, salas sem privacidade alguma, cadeiras rasgadas, etc.
Freqüentemente identificamos na população que busca os serviços do Judiciário, a expectativa de encontrarem conforto para o sofrimento, pois estão no limite máximo do que é possível suportar. Porém, muitas vezes, estas necessidades não são atendidas e tais pessoas são desrespeitadas como cidadãos, desde o seu ingresso no Judiciário, que não reconhece que um processo só existe porque uma pessoa o provocou. Então, antes de se priorizar o bom andamento do processo é necessário oferecer ambiente adequado, para acolher e escutar a pessoa que ingressou com uma ação.
Penso que uma das causas para a permanência deste descaso está na reprodução diária deste equívoco, pelas equipes de Psicologia e Serviço Social.
Identifico em nossa prática dois erros básicos que persistem há muitos anos. O primeiro é permitirmos que nos tratem como técnicos, quando somos profissionais e investimos em nossa formação, em busca da capacitação adequada a especificidade deste trabalho. Desta forma, desvalorizamos toda a formação profissional que temos. Além de aceitarmos a baixa remuneração salarial que não é condizente ao trabalho realizado. O segundo erro refere-se a população atendida, que constantemente é chamada de parte. Essas pessoas, não são chamadas por seus nomes, não são escutadas em suas particularidades como seres únicos, não sendo totais como indivíduos.
Acredito que além de ser possível uma mudança neste cotidiano, esse é o nosso dever profissional e ético, para com a população que atendemos.
É através de um posicionamento diferente que produziremos um novo discurso, que será capaz de alterar esta realidade.
Nota da AASPTJ-SP
A edição do mês de fevereiro do boletim informativo Construindo a manhã desejada trouxe o artigo da associada Deborah Maluf, psicóloga de Santo Amaro, que trata das dificuldades vivenciadas pelos profissionais das Varas da Infância e Juventude e Família, em seu dia-a-dia.
A AASPTJ-SP tem como diretriz a construção de um projeto profissional no Judiciário salientando sempre as implicações das nossas práticas nas transformações da realidade social e do trabalho.
Nosso compromisso ético e político tem sido buscar a qualificação profissional e condições dignas de trabalho. Para tanto, realizamos a pesquisa "O Serviço Social e a Psicologia no Judiciário - Construindo saberes, conquistando direitos", que vem embasando nossas lutas e reivindicações.
A AASPTJ-SP traz na Palavra do Associado reflexões sobre a prática profissional no cotidiano.