strict warning: Declaration of views_handler_filter_node_status::operator_form() should be compatible with views_handler_filter::operator_form(&$form, &$form_state) in /home/aasptjsporg/public_html/antigo/sites/all/modules/views/modules/node/views_handler_filter_node_status.inc on line 0.

Reflexões sobre a atuação do psicólogo nos casos de adoção internacional

A partir de minha experiência enquanto psicóloga judiciária em Vara de Infância e Juventude trabalhando nos casos de adoção internacional, em São Paulo, foi possível observar tratar-se de uma atuação que abrange várias questões, o que provocou em mim o desejo de fazer uma reflexão sobre o tema. Primeiramente, cabe esclarecer que os pretendentes à adoção internacional, antes de vir ao Brasil, passam por uma seleção prévia através dos autos que encaminham à CEJAI - Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional. Os casais pré-aprovados em seu país de origem para adoção internacional, enviam relatórios da avaliação psico-social, que incluem dados sobre a criança pretendida. No Brasil, estes autos passam pela equipe técnica de Vara de Infância, que verifica se os relatórios estão claros e com dados suficientes, se são recentes, e em caso de dúvida é solicitada complementação de dados.


Só após ter havido este processo, e ter existido um cruzamento entre o cadastro de crianças disponíveis para adoção, e o de pretendentes para adoção é que o casal estrangeiro é notificado de que poderá vir ao Brasil buscar uma criança, ficando o psicólogo, a partir daí incumbido de fazer a aproximação da criança aos pretendentes, bem como trabalhar a adaptação entre as partes. Só esta tarefa, em si, não é nada fácil.


Cabe lembrar que o ECA- Estatuto da Criança e Adolescente em seu artigo 46, inciso 2 reza que: "Em caso de adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do país, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de no mínimo quinze dias para crianças de até dois anos de idade, e de no mínimo 30 dias quando se tratar de adotando acima de dois anos de idade." Isto nos cria um problema. Há um estágio de convivência muito curto para avaliar uma adaptação, que se mal-sucedida poderá trazer seqüelas graves para aquela adoção.


De outra parte, não nos podemos furtar a pensar na dificuldade que representa para um estrangeiro deixar seu país de origem, em geral bastante longínquo do Brasil, para vir adotar aqui. Acaba sendo necessário tirar férias do trabalho para vir em busca do filho adotivo, e portanto, é quase impossível para os requerentes dispor de um período maior de permanência no Brasil. Com freqüência o casal acaba de descer no aeroporto cansado do vôo e já vai para a Instituição onde encontra-se acolhida a criança pretendida, vindo em seguida ao Fórum para dar andamento ao processo.


O psicólogo que atende este casal depara-se sem sombra de dúvida, com um casal esgotado fisicamente, havendo poucas condições para uma boa entrevista. Ademais, há que se levar em conta, que os casais sentem-se ao chegar no Brasil, extremamente sem referências, as quais ficaram, obviamente em seu país de origem. Em função disto os requerentes que deveriam poder fornecer à criança um asseguramento, sentem-se perdidos, e a criança também perdeu sua referência que era a Instituição. Fica aí marcada a necessidade de uma dupla orientação, feita pelo psicólogo judiciário à criança e à sua nova família. Ressalte-se que a criança está na iminência de perder o seu país, o que certamente é fator gerador de muita ansiedade.


Outro aspecto que não pode ser desprezado, é que os pretendentes chegam de seus países, com vários sonhos e fantasias com relação à adoção, os quais foram a base de sua reivindicação de adotar. Chegam aqui plenos de idealizações que por vezes escamoteiam temores. Como será a criança? Ela os aceitará? De fato, as primeiras experiências serão marcantes na relação crianças- pretendentes que se inicia. Daí a importância do trabalho do psicólogo judiciário, a quem compete avisar a entidade onde está a criança da chegada da família, preparar a criança para a adoção e acompanhar o estágio de convivência desde o início, como maneira de efetuar a prevenção de problemas futuros. No exíguo período do estágio de convivência, em média de vinte dias, frente a quantidade de questões a tratar com os pretendentes, fica-se sem saber a resposta a muitas perguntas. Há que ressaltar que após a primeira entrevista, costuma-se marcar a segunda para após uma semana, desde que não se sinta graves dificuldades iniciais, para deixar a família mais a vontade para ir se adaptando, para possibilitar o máximo de espontaneidade no relacionamento.


No entanto, é um contra-senso deixar o relacionamento caminhar da forma mais natural, havendo um prazo de tempo curtíssimo para isto. Em geral, durante o estágio de convivência há em média quatro entrevistas, sendo que a primeira e a última dão-se em conjunto com o serviço social.


Previamente à primeira entrevista, o que se tem dos pretendentes são apenas os dados constantes no autos. Obviamente é muito diferente ler sobre alguém, a ter contato com esta mesma pessoa. Destarte a primeira entrevista, é também o primeiro momento de sentir os requerentes, em verdade é aí que se trava um conhecimento, que em termos dos autos já está avançado a ponto dos pretendentes já terem sido aprovados e estarem no Brasil com uma criança. Sem sombra de dúvida este descompasso, é um entrave a mais na ação do psicólogo, que repito mais uma vez dispõe de um tempo brevíssimo para trabalhar as mais variadas questões atinentes à adoção. O estágio de convivência é a oportunidade que o psicólogo judiciário tem de fazer o casamento entre a criança e seus pretendentes.


Na verdade, há que se fazer uma aproximação e adaptação entre verdadeiros estranhos. Este trabalho pode ser facilitado sobremaneira quando a agência internacional de adoção, executa um bom trabalho na preparação dos pretendentes em seu país de origem, e acompanha adequadamente a família no Brasil e os encaminha de pronto às Varas. O psicólogo ao trabalhar a adaptação tem de levar os requerentes a compreender o que era a vida que a criança levava numa Instituição, que em geral a criança desconhecia a vida extra- muros, que o infante costuma não possuir a mínima noção do que seja uma família, da diferença que existe entre viver no meio de muitas crianças como ela e num lar.


Compete ao psicólogo apontar que haverá primeiramente um período de lua de mel com os requerentes, onde a criança tudo fará para agradar, mas que assim que começar a se sentir um pouco mais segura passará a desafiar as regras, testando os futuros pais adotivos para se certificar de se realmente estes a suportam, se a aceitam, se gostam dela mesmo fazendo coisas erradas. Outro tópico importante é passar para os futuros adotantes todos os dados que constam nos autos sobre o histórico da criança, trabalhando a importância da criança poder conhecê-los de modo a se apropriar de sua história, sentindo-se mais cidadã de si; além de fornecer elementos para que detectem eventuais comportamentos ou sintomas das crianças.


Também se trabalha as questões da motivação, da revelação e da esterelidade, todas de suma relevância e que sempre estarão permeando a relação adotantes- adotado. Um elemento complicador , no entanto, reside no fato destas problemáticas estarem sendo trabalhadas num momento em que está havendo uma lua de mel adotantes- adotado. Como é sabido, nesse período de um casamento, o que impera é a idealização, sendo difícil haver espaço psíquico para problemáticas que desfazem a tão agradável vivência de um apaixonamento. A impressão que tenho, muitas vezes, é de que o casal escuta as orientações apenas racionalmente, não havendo brecha para emoção, que está dirigida para o pseudo enlace matrimonial.


Os casais tendem a ouvir alegremente tudo que lhe é dito, acreditando, naquele momento, serem de fácil resolução os problemas que poderão surgir e duvidando destas possibilidades menos róseas, ocultando uma onipotência própria da posição esquizo-paranóide, quando impera a idealização. Neste sentido o tempo legal, do direito, e o tempo psicológico estão na contramão, um do outro, o que embute uma séria questão quanto a validade do trabalho feito em ambas as áreas.


Paralelamente há mais uma interferência, a da língua. Normalmente, os pretendentes estrangeiros não falam português, se fazendo necessária a presença de um tradutor. Isto certamente dificulta o estabelecimento do "rapport". O tradutor fica colocado no lugar de um terceiro, entre o psicólogo e os requerentes. Além disto, não existe a figura de um tradutor juramentado, sendo o profissional incumbido da tarefa, com freqüência, o representante da agência de adoção encarregada do caso, o que pode colocar em dúvida a neutralidade de seu trabalho. Para piorar a Psicanálise se baseia na escuta da palavra, que quando traduzida não é mais a mesma, até porque correntemente uma expressão que existe numa língua e não em outra e isto interfere na nossa avaliação, criando ruídos de comunicação que podem chegar a invalidar uma leitura do caso. Neste sentido, talvez tenhamos que nos preocupar em criar outros instrumentos de avaliação, mais condizentes com a realidade que se nos apresenta.


Como proposta vejo a necessidade de uma maior interação entre as agências internacionais de adoção e o judiciário. É imperioso conhecer como cada agência trabalha, para ter uma noção mais clara do " ponto de cozimento" dos requerentes quando chegam ao Brasil. Isto possibilita ao psicólogo responsável pelo caso uma visão do que realmente necessita ser trabalhado, podendo planejar a sua ação, o que é muito diferente de ter apenas os dados de relatório sobre o casal.


Seria necessário gerar um espaço de encontros entre as diversas agências e o Judiciário destinado à troca de experiências, havendo não só um enriquecimento, mas uma padronização da maneira de se trabalhar. Afora isto vejo como necessidade que após o retorno ao país de origem, haja um acompanhamento periódico para auxiliar a nova família, no momento em que aflora o tema da adoção em sua dinâmica. Pelo que consta várias agências fazem este tipo de trabalho, porém de forma muito heterogênea, e como não recebemos relatórios sobre este trabalho ficamos sem saber com que tipo de suporte podemos efetivamente contar.


É claro que para isto acontecer, há que existir uma regulamentação deste processo em lei, ou seja há que se fazer uma sensibilização dos profissionais do Direito para compreender a extensão e a importância disto, buscando uma certa uniformidade de procedimento nos casos.


Outra dúvida que existe com relação à preparação de requerentes em seus países de origem é de se as agências internacionais sensibilizam adequadamente seus clientes para a adoção ou se os treinam de modo a responder assertivamente as perguntas feitas pelo psicólogo judiciário. As agências trabalham as angústias dos requerentes, ou apenas maquiam as defesas destes, possibilitando que o cliente se apresente da forma como o profissional de psicologia espera deste. Para responder a estas questões teríamos que dispor de estatística de cada agência para saber a porcentagem de devolução de crianças por agência de adoção, o que certamente seria um bom indicador da eficácia do trabalho executado, estatística esta da qual não dispomos.


Voltando ao CEJAI, há também um sério problema quanto a heterogeneidade dos dados constantes nos autos conforme o país de origem. Mais uma vez seria necessário a interseção Direito-Psicologia, de modo a possibilitar uma maior uniformidade dos autos.


Todos os apontamentos feitos até agora, nesta breve reflexão, corroboram a importância e amplitude da temática da adoção internacional, cujo trabalho ainda apenas engatinha, havendo um longo caminho a percorrer no aprimoramento deste tipo de trabalho, que envolve diferentes tipos de profissionais e de culturas.


Referências Bibliográficas: Estatuto da Criança e do Adolescente -lei 8069 de 13/7/90



Bookmark and Share