Arquimedes e a Justiça paulista

Autor: 
Elisabete Borgianni, presidente

Doutora em Serviço Social
Presidente da AASPTJ-SP


Dr. Ivan Sartori, presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em discurso na cerimônia de Abertura do Ano Judiciário, citando o matemático e físico grego Arquimedes de Siracusa, declarou com ênfase e emoção: Dê-me um ponto de apoio e moverei o mundo.

 É de saudar a disposição de Sua Excelência para enfrentar os desafios de uma gestão que se inicia em conjuntura complexa, marcada por episódios que revelam o quanto a insuperada diferenciação de classes em nossa sociedade pode levar a barbarizantes e dilaceradas relações sociais.

 Uma quadra histórica em que a insuspeita violação de direitos de segmentos já muito vulnerabilizados da população, revelada nos episódios da Cracolândia e do Pinheirinho, somou-se às denúncias da Corregedora Geral de Justiça do CNJ, Dra. Eliana Calmon, sobre possíveis desvios ou irregularidades na gestão de alguns dos 27 Tribunais de Justiça do país.

 Em todos esses episódios ficou clara a movimentação de setores conservadores da sociedade (com presença evidente no Executivo, no Legislativo e também em nosso Judiciário), muito mais interessados em ganhos políticos ou pessoais e corporativos do que na universalização dos direitos.

 Mais uma vez, usa-se no país e notadamente em nosso Estado, a velha fórmula de dissociar-se a ideia de desenvolvimento da democracia. Em outros termos, como já demonstraram Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Nelson Werneck Sodré e tantos outros, por aqui, desde há muito, a democracia fica restrita aos membros de uma elite, que não pestaneja em recorrer até ao uso da força militar para seus projetos de desenvolvimento (imobiliário, financeiro etc.) ou de perpetuação de formas privilegiadas e patrimonialista de acesso àquilo que é público.

 O presidente de nosso Tribunal tem muitos desafios pela frente, principalmente o de resgatar a dívida da Corte para com aqueles que a movimentam no cotidiano - os servidores públicos, tão menosprezados moralmente e explorados salarialmente nas últimas gestões.

 Esses servidores, incluídos aí os assistentes sociais e psicólogos, é que permitem que um juiz diga o Direito e que, portanto, o Tribunal cumpra seu papel perante a sociedade.

 Não sabemos qual ponto de apoio Dr. Sartori está procurando para que possa mover esse mundo da Justiça paulista, e tampouco sabemos ainda em que direção pretenderá levá-lo.

 Alguns gestos nos preocuparam neste início de gestão, entre eles o açodamento na resolução do conflito jurídico-político do Pinheirinho. Outros nos deram indícios de que poderemos ter esperança de que Sua Excelência vai buscar mais recursos junto ao governo do Estado para que se possa fortalecer o Tribunal, tão combalido por anos de descaso e de gestões incompetentes.

 Ansiamos que Sua Excelência busque apoio nos setores que almejam a real democratização das relações sociais e de trabalho, a transparência orçamentária da gestão, a valorização de todos aqueles que ao Tribunal vêm dedicando (ou dedicaram) anos e anos de suas vidas.

 Desejamos fortemente que o Dr. Sartori e sua equipe resistam às pressões dos setores que representam os insaciáveis apetites individualistas e do mercado, e que já vêm sendo empoderados há séculos pelas torpes alianças políticas e econômicas que historicamente são feitas em nosso país.

 E só para lembrar. Dizem que as últimas palavras proferidas por Arquimedes antes de ser morto por um soldado romano foram: “não perturbe meus círculos” (referindo-se aos círculos no desenho matemático que estaria estudando)

 Acompanhemos todos, bem de perto essa nova gestão para sabermos quem compõe os círculos da Presidência que não devem ser perturbados.


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