A busca pelo direito nas ruas: O grito que não calaremos
"Do rio que tudo arrasta,
se diz que é violento
Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem"
(Bertolt Brecht)
E quando a repressão é demais e o rio transborda?
A Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (AASPTJ-SP) recebeu diversas consultas de seus associados nos últimos dias sobre qual seria o nosso posicionamento sobre os últimos acontecimentos na cidade de São Paulo e que têm se replicado em diversas outras capitais do País. Depois do dia 13 de junho de 2013 não há como não se posicionar.
O movimento começou como um protesto contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô de R$ 3,00 para R$ 3,20. Uma das tarifas mais caras do mundo. Um dos serviços de transporte público mais precarizados do mundo.
Nós, assistentes sociais e psicólogos do Judiciário bem sabemos que R$ 0,20 centavos não pesa tanto no nosso bolso. Muitos de nós, aliás, sequer utilizamos o transporte público para nos locomovermos, temos nossos próprios veículos. Mas, para a população carente e constantemente excluída de acesso aos serviços públicos e que atendemos diariamente nos fóruns não são apenas R$ 0,20 centavos.
Trabalhamos dia a dia para que esta população tenha um mínimo de acesso a direitos sociais de habitação, alimentação, educação e tantos outros. E esta população teve mais um de seus direitos essenciais à vida negado: O de ir e vir. Sim, a tarifa já era cara não só em São Paulo, mas em todas as regiões deste Estado e do país. Sim, a população mais pobre já não tinha condições de pagar. Por que o movimento estourou só agora? Porque foi a gota d’água!
Foi a última pressão das margens sobre um rio cansado de sofrer seu curso calado. Transbordou.
A grande mídia, como sempre acontece em situações de manifestações populares, logo se posicionou. Não com a isenção e imparcialidade pela qual tanto prega zelar. Escolheu um lado. O dos dirigentes e das classes média e alta. Tanto o governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), quanto o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), afirmaram categoricamente que não aceitariam pressão popular e que as manifestações seriam reprimidas. E os editoriais dos principais jornais pediam exatamente isso: Que os protestos conduzidos por “vândalos”, “estudantes playboys que não usam ônibus” e por pessoas que só queriam a desordem pública, fossem severamente contidos pela Polícia Militar. Imagens de cestos de lixo incendiados, jovens mascarados, vidros de estações de metrôs quebrados, ônibus sendo pichados e queimados por alguns manifestantes (ou por agentes infiltrados, não se sabe ao certo), pipocaram pelos jornais, tvs, redes sociais. E como sempre acontece nestas ocasiões deixou-se claro que o tal do “direito de ir e vir” não é para todos, tem dono. Os “vândalos” estavam assustando a população que só queria voltar para casa depois de um dia de trabalho. Os verdadeiros cidadãos ficavam encurralados dentro de seus carros por horas no trânsito caótico – e que assim o é sempre, não apenas em dias de manifestações – por causa de “pseudo revolucionários”. Como bem frisou o sociólogo espanhol Manuel Castelles em palestra proferida na universidade Mackenzie, no último dia 12: "Quando há manifestações em São Paulo, elas são reprimidas com violência. A cidade é das pessoas, não dos carros."
Se por um lado a grande mídia, tão acostumada a seus velhos bordões e clichês, mostrava a sua força, os movimentos populares e a imprensa alternativa também mostravam a cara pelo Facebook e Twitter. E aconteceu o que Haddad e Alckmin, em viagem a Paris, não esperavam. O número de manifestantes crescia a cada manifestação. Agora não eram mais apenas os líderes do Movimento Passe Livre (que organiza os protestos), os “filhinhos de papais” e “baderneiros de plantão”. Cada vez mais trabalhadores, professores, estudantes, cidadãos de todas as classes e profissões começaram aderir ao movimento e a soltar a voz. Não apenas pelos R$ 0,20, mas por todas as outras coisas que “esta quantia insignificantes de centavos” representa: estamos cansados de tanta corrupção (de todos os partidos), não aguentamos mais ver os impostos que pagamos sendo gastos em eventos como copa do mundo e não em educação, saúde e transporte público e também porque não suportamos mais a violência que nos é imposta todos os dias ao sermos transportados bovinamente em ônibus, trens e metrôs apertados.
O quarto protesto, realizado ontem foi o maior de todos. Era muita gente. Nem parecia ser no Brasil. Temos a fama de aceitarmos os mandos e desmandos de nossos governos quietos. PSDB e PT certamente contavam com isso ontem. E orientaram a Polícia Militar a reprimir com violência, fosse quem fosse. Era preciso mostrar que eles não vão ceder.
E a polícia cumpriu com o seu dever. Armou uma emboscada. Após elogiar a manifestação pacífica de ontem (conforme gravação divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo), o coronel reponsável pelo policiamento e seus homens escoltaram os manifestantes até a Rua Maria Antonia. Lá os manifestantes se depararam com a tropa de choque e a cavalaria, que partiram para cima dos manifestantes, que gritavam: “Sem violência”! Não estavam armados. Apenas pediam para não serem agredidos em seu livre direito de manifestar-se. Não houve distinção. Manifestantes, pessoas que passavam pelo local, jornalistas que cobriam o evento, todo mundo sentiu a dor do gás lacrimogênio e do cassetete nas costas e muitos também sentiram o aperto das algemas. Foram presos porque portavam vinagre (este minimiza os efeitos do gás). Foram presos “para averiguação”. Repórteres foram presos sob a alegação de formação de quadrilha.
Ontem, nós definitivamente nos demos conta de que a democracia que pensávamos viver ainda é assombrada pela ditadura militar que pensavamos morta. Voltou de seus escombros para nos dizer que ainda vive, ainda reprime, ainda mutila. Mas, desta vez não fomos só nós. A mesma grande mídia que pediu o rigor da polícia viu tantos de seus trabalhadores detidos e agredidos (e são dezenas), viu que a repressão também era para eles. Finalmente perceberam que o AI-5 e a censura ainda pairam no ar e com medo de ter que voltar a publicar receitas de bolo no lugar de matérias cortadas pelo censor, hoje mudaram o tom de suas manchetes. Hoje exigiram que a atuação da polícia seja investigada porque “paulistanos ficaram reféns da truculência”.
Fechamos nosso manifesto com o depoimento da jornalista da Folha de S. Paulo, Giuliana Vallone, que teve um de seus olhos atingidos por uma bala de borracha e quase perdeu a visão: “Acho que o que aconteceu comigo, outros jornalistas e manifestantes mostra que existe, sim, um lado certo e um errado nessa história. De qua lado você samba?”
A AASPTJ-SP escolheu seu lado. Vamos sambar do lado da população, do lado do movimento.
Basta de repressão do Estado!
Basta de violência institucionalizada!
Pela liberdade de expressão e de manifestação!
Pelos direitos da população que atendemos! Pelos nossos direitos!
AASPTJ-SP
Diretoria da Gestão Participação e Compromisso (2009-2013)
Diretoria eleita Conexão Histórica (2013-2017)
Texto: Ana Carolina Rios