Carta de despedida: Dayse Cesar Bernardi
No último Boletim Eletrônico, divulgamos a aposentadoria da psicóloga, associada e ex-presidente da AASPTJ-SP Dayse Cesar Bernardi. No BEL de hoje, encaminhamos a todos sua carta de despedida:
Aos colegas das equipes interprofissionais do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e da AASPTJ-SP:
Hoje, dia 30 de junho de 2011, quinta–feira, recebi a notícia de que minha aposentadoria foi publicada no D.O. Isso é, estou de saída, posso ir embora e quero me despedir.
Sabia que iria acontecer, mas, não que seria hoje. Sinto-me diante do final de um longo túnel que me encaminhou para uma saída desconhecida.
Ignoro o que haverá nesse espaço a ser descoberto e como fazer a travessia, mas, descubro que não a farei sozinha, porque muito de vocês estão comigo. Sinto que fazem parte de mim, que me compõem e que me preenchem de boas lembranças, de muitas descobertas e perdas.
Descubro que meu desejo é comungar com as colegas que conheci pelo Estado a fora, com as amigas que fiz e, com algumas que perdi, esse intenso momento de passagem da vida.
Chegou a hora da despedida de um ciclo que, tive o privilégio de viver com vocês, companheiros de viagem, de lutas, de sonhos e de trabalho.
Nesses últimos anos, participei da construção de um novo espaço de ação, reflexão, e planejamento da Justiça da Infância e da Juventude no Estado. Nele, enfatizei a necessidade da Coordenadoria ter uma equipe interdisciplinar própria, pois, acredito que, principalmente nesse âmbito de trabalho, as decisões precisam ser cunhadas no paradigma interdisciplinar, construindo relações mais horizontalizadas, capazes de sustentar transformações de ideias, valores e práticas.
Nesse contexto, a Coordenadoria da Infância e Juventude, enquanto um órgão da Presidência do TJ foi e está se estruturando devagar, para oferecer um trabalho articulado e cuidadoso.
Suas ações são complementares ao trabalho realizado pelo Núcleo de Apoio Profissional de Serviço Social e Psicologia, ligado à Corregedoria-Geral da Justiça. Ambos, espaços de decisão e de consolidação do projeto de nossas profissões no âmbito do Poder Judiciário.
Nesse tempo de Coordenadoria da Infância e da Juventude, fui aprendendo aos poucos como participar, como abrir espaço para que nossas categorias profissionais pudessem ser integradas a novos trabalhos de planejamento, pesquisa, capacitação continuada, construção de conhecimento e de respostas às problemáticas que assolam nosso cotidiano de limitações, entraves, dificuldades. A Coordenadoria é um centro de planejamento e de decisões que visa desencadear ações transformadoras da Justiça da Infância e da Juventude, com base nos paradigmas dos direitos humanos. Um espaço importante para pautar questões fundamentais da interdisciplinaridade do nosso exercício profissional no Sistema de Garantias.
Nesse período, foi possível alargar espaços de participação, estreitar parcerias, ampliar o diálogo e, reforçar a necessidade de um projeto politico-profissional que nos permita participar de decisões que nos incluam como parceiros na construção de alternativas para o cotidiano.
A estrada se fez e foi caminhada... Chegou ao final, com bifurcações que me convidam a pensar numa vida nova. Quero muito caminhar de tênis por aí, sentar na sombra das árvores e fazer das pedras que encontrar bancos para sentar e, deixar os olhos descobrirem o entardecer...
Deixo a Coordenadoria feliz porque o objetivo dela contar com uma equipe própria foi alcançado. O Núcleo de Apoio Profissional de Serviço Social e de Psicologia passou a integrá-la sob coordenação da colega Ana Christina de Moura. Desejo muita sorte à equipe nesse espaço e que, ele possa ser acolhedor e encorajador permitindo avançar no trabalho iniciado.
Despeço-me da rotina da instituição e não dos compromissos políticos com nossa profissão, dos elos de amizade e respeito que me unem aos colegas de trabalho e de história.
Espero que possamos compartilhar amizade, música, alegria, beleza e as memórias que se fazem boas para contar...
Deixo de lembrança para os colegas, na Biblioteca da Associação, dois textos recém-publicados pelo Conselho Federal de Psicologia[1] que, espero, contribuam para que a categoria busque debater e construir, com reflexão e desejo, práticas transformadoras do cotidiano institucional, das relações ainda tão verticalizadas, dos diálogos surdos, da falta de esperança.
Ainda acredito que não podemos esmorecer e, que lutar contra as forças hegemônicas desse nosso tempo continua sendo um imenso desafio.
Quando algumas colegas se aposentaram, eu fiquei imaginando como elas se sentiam com essa mudança. Acho que não consegui avaliar bem, o quão é forte! Até porque, para cada pessoa esse momento tem um sentido próprio. Para mim, está sendo a oportunidade de fechar caixas e abrir caminhos. É o início uma nova passagem da vida na qual, desejo aprender a trilhar com mais sabedoria, serenidade e muita paz.
Aposentar parecer ser um momento ótimo para se fazer um balanço da vida que foi vivida - é hora de respeitar o ritmo das próprias mudanças, usar o conhecimento para fazer novas perguntas e se descobrir andarilho nas zonas cinzentas do esquecimento.
Parto com um sentimento de que ainda há muito por se fazer e, que eu tive a rara oportunidade de amar meu trabalho e me dedicar por inteiro aos movimentos que construímos juntos ao longo desse tempo. Espero abrir espaço para saudade e, com ela voltar a ter poesia.
Com certeza, as lembranças do tempo em que integrei as diretorias eleitas da AASPTJ-SP são as mais candentes, fazem minha história e minha memória. Houve o tempo do Mezanino na AOJESP, o tempo do primeiro aluguel, da compra da sede, de Um Novo Tempo, e da Manhã Desejada.
Agradeço a quem confiou e a quem não confiou em mim.
Hoje sei que a confiança é filha do diálogo e mãe das ações conjugadas com sabedoria, simplicidade, respeito, solidariedade e, sobretudo bem-querer.
Com profundo sentimento de amor, ofereço e peço um abraço coletivo enorme, num círculo reparador, afetivo, colorido, próximo.
Que as linhas da vida se cruzem, aconteçam, façam encontros, cartografias de desejo e liberdade.
Estarei por aí, já com saudade.
Com muito carinho da colega e amiga,
Dayse Cesar Franco Bernardi
[1] Referências Técnicas para atuação do Psicólogo em Varas de Família. – Conselho Federal de Psicologia. - Brasília: CFP, 2010.
Disponível em:
http://crepop.pol.org.br/novo/wp-content/uploads/2011/01/ReferenciaAtua%C3%A7%C3%A3oVarasFamilia.pdf
Acesso em: 22/06/2011.
Psicologia em interface com a Justiça e os Direitos Humanos.
Conselho Federal de Psicologia. Brasília-DF: CFP, 2011. Disponível em http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/publicacoes/
Acesso em: 22/06/2011