CFP: Internação compulsória como medida emergencial provoca polêmica
A edição de dezembro do Jornal do Federal (Nº 105), produzido pelo Conselho Federal de Psicologia traz uma reportagem sobre a internação compulsória de usuários de drogas, prática adotada por alguns governos como medida ao crescente uso do crack.
Destacamos aqui alguns trechos da matéria que nos convidam à reflexão do tema:
“A relação entre o dependente e o psicólogo deve se dar na exata medida da necessidade que a pessoa quer ser enxergada. E isto não pode acontecer a partir de visões pré-concebidas do profissional”, afirma a psicóloga e representante do CFP no Conselho Nacional sobre Drogas (Conad), Mônica Gorgulho.
Segundo Gorgulho, os psicólogos devem propor estratégias em conjunto com o dependente para encontrar alternativas. Olhar mais o outro e propor a partir do entendimento de sua realidade são indicações para o trabalho. “É preciso preparo técnico-científico e uma autocrítica a suas crenças pessoais”, sugere a psicóloga.
Pelo fato de os usuários ainda serem vistos e vinculados ao tráfico ou a comportamentos criminosos, o uso e a dependência são muitas vezes interpretados como escolhas pessoais. É o que afirma o atual coordenador do Polo de Pesquisa em Psicologia Social e Saúde Coletiva da Universidade de Juiz de Fora Telmo Ronzani. “Parar ou de não usar a substância também vira um problema do usuário, que é visto como fraco ou sem força de vontade”.
Para Ronzani, a postura preconceituosa da sociedade, que muitas vezes repercute nas políticas públicas e mesmo no contexto clínico ou do serviço, traz impacto direto na qualidade e no resultado das ações para a prevenção, reabilitação ou reinserção social. Para o professor, o fortalecimento de políticas públicas inclusivas para essa população deve se dar com o entendimento pela sociedade de que os dependentes são cidadãos que tem o direito ao cuidado.
O psicólogo e psicanalista argentino Antônio Lancetti também ressalta o cuidado como soberano na relação com o dependente. “Às vezes se aproximar é de uma complexidade enorme. Todo mundo tem medo deles”, diz Lancetti. Mas chegar perto e conversar com o dependente é o primeiro passo. O pedido de ajuda, segundo ele, vem – mesmo que inicialmente pela negativa do próprio auxílio – com a demanda de atendimentos à saúde.
Consultórios de rua
O projeto dos consultórios de rua surgiu no fim da década de 90, em Salvador (BA), para atender pessoas em situações de risco e vulnerabilidade social. Consiste em uma equipe que circula – em percurso criado com base nas demandas analisadas – com um ambulatório móvel.
Em Goiânia, GO, os consultórios funcionam desde abril de 2011e, segundo a coordenadora do projeto na cidade, a psicóloga Elaine Mesquita, o principal objetivo- a formação de vínculos para proporcionar maior acolhimento aos moradores de ruas - tem sido alcançado. “Como a lacuna na vida destas pessoas é enorme, assim como suas demandas, a receptividade é muito grande. Nosso principal instrumento é a afetividade”.
O trabalho de escuta também é essencial, segundo a psicóloga Elaine: “Às vezes ficamos dias e dias escutando o usuário. Eles falam muito, pois não estão acostumados a serem ouvidos”. E o outro lado também é favorecido: Para a conselheira Heloiza Massanaro, “ao escutar o dependente , o psicólogo consegue refletir sobre a questão do preconceito e compreender melhor suas dificuldades e do usuário”.
O antropólogo e redutor de danos participante do grupo Princípio Ativo, Rafael Medeiros, acredita que as críticas aos trabalhos de redução de danos surgem pela visão de mundo da sociedade atual, que é a de um mundo sem drogas. A ideia para diminuí-las está, na visão de Rafael, no olhar diferenciado da sociedade e na implantação de uma maior política de acolhimento, com a percepção de que os usuários de drogas também são seres humanos. “A redução poderia ser vista como o resultado de uma sociedade mais acolhedora, mas vivemos em uma sociedade intolerante. O foco deve estar não só nas políticas públicas, mas na própria vida”, conclui.