Coordenadoria da Infância e Juventude: Gravação de Audiências por Defensores Públicos
São Paulo, 10 de abril de 2015.
REFERÊNCIA: Expediente nº 2015/00042448,
conforme e-mail encaminhado em 07/04/2015.
Senhor Coordenador,
Em cumprimento à determinação feita por Vossa Excelência no e-mail em referência, os magistrados que esta subscrevem vêm, mui respeitosamente, apresentar suas considerações sobre a questão suscitada pela Corregedoria da Defensoria Pública, intitulada de “Gravação de Audiências por Defensores Públicos”, que vem embasada no Parecer CDGP nº 12 e na orientação CGDP nº 04/2015, cujas cópias seguem em anexo.
Inicialmente, observamos que, em nosso entendimento, o parecer e a orientação produzidos pela Corregedoria da Defensoria Pública não têm aplicação na área infracional da Infância e Juventude, embora lançadas como de pertinência geral para todos os tipos de processos judiciais.
É que toda a fundamentação é construída com legislação subsidiária (CPP e CPC), desconsiderando que a questão já vem tratada de forma expressa pela legislação tutelar específica (ECA e SINASE). Senão vejamos:
O art. 227 da Constituição Federal, com ênfase ao disposto no § 3º, IV, diz: “§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: (...) IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica.”
No Brasil, essa “legislação tutelar específica” em área infracional é composta pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, e o SINASE, Lei nº 12.594/12, que devem prevalecer sobre as demais leis sempre que dispuserem de maneira diversa relativamente a qualquer questão.
Não é por outro motivo que no “caput” do art. 152 do ECA está dito que: “Aos procedimentos regulados nesta Lei aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente”.
Em outras palavras, e reforçando o que parecia ser óbvio, a legislação tutelar específica se sobrepõe à legislação subsidiária sempre que dispuser de maneira diversa, principalmente quando for de forma expressa e em relação a qualquer questão.
Ocorre que os arts. 143 e 144 do ECA, s.m.j., tratam de maneira diversa e expressa sobre a questão objeto do referido parecer e da respectiva orientação.
Diz o art. 143: “É vedada a divulgação de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional. Parágrafo único. Qualquer notícia a respeito do fato não poderá identificar a criança ou adolescente, vedando-se fotografia, referência a nome, apelido, filiação, parentesco, residência e, inclusive, iniciais do nome e sobrenome”. (Redação dada pela Lei nº 10.764, de 12.11.2003)
Reza o art. 144 que: “A expedição de cópia ou certidão de atos a que se refere o artigo anterior somente será deferida pela autoridade judiciária competente, se demonstrado o interesse e justificada a finalidade”.
Ainda pode-se acrescentar nesse contexto o disposto no art. 146 do ECA, que diz: “A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local”.
Entendemos que o parecer CDGP nº 12, desconsidera a legislação tutelar específica, baseando-se apenas em legislação subsidiária e observamos que inclusive em relação a implicações ou consequências de uma eventual inexistência de autorização judicial para a gravação também há previsões expressas no Estatuto.
Ainda que as análises ficassem só no campo da legislação subsidiária, também não há previsão legal que autorize, conforme manifestação da Corregedoria Geral da Justiça, através do Parecer nº 143/2015, publicado no Diário Oficial de 16/04/2015.
O aspecto mais importante de toda a discussão é a natureza jurisdicional da matéria.
Portanto, para que a gravação pudesse ser feita pela parte ou por qualquer outra pessoa que demonstre interesse e justifique a finalidade, é necessário um prévio requerimento a ser apreciado pelo magistrado que deverá deferir ou não o pedido de forma fundamentada.
Caso seja indeferido, caberá à parte insatisfeita recorrer à E. Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, competente para apreciar o recurso em área infracional.
O que causa maior perplexidade no parecer da CDGP e da orientação da CGDP não é a indesculpável desconsideração da legislação tutelar específica, mas sim a indisfarçável presunção indistinta da má fé de magistrados e promotores de justiça.
Agradecendo imensamente a deferência e oportunidade, aproveitamos o ensejo para reiterar nosso profundo respeito e grande admiração.
EGBERTO DE ALMEIDA PENIDO
Juiz de Direito Titular da 1ª VEIJ
RAUL KHAIRALLAH DE OLIVEIRA E SILVA
Juiz de Direito Titular da 4ª VEIJ e Diretor do Fórum
LUCIANA ANTUNES RIBEIRO
Juíza de Direito Diretora do DEIJ
ANA PAULA MENDES CARNEIRO
Juíza de Direito Auxiliar do DEIJ
CINDY COVRE
Juíza de Direito Auxiliar do DEIJ
RUBENS PEDREIRO LOPES
Juiz de Direito Auxiliar do DEIJ
AO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR
DESEMBARGADOR EDUARDO CORTEZ DE FREITAS GOUVÊA
COORDENADOR DA INFÂNCIA E JUVENTUDE
DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Decisão:
Aprovo em seus termos o parecer dos Excelentíssimos Senhores Juízes de Direito Egberto de Almeida Penido, Raul Khairallah de Oliveira e Silva, Luciana Antunes Ribeiro, Ana Paula Mendes Carneiro, Cindy Covre e Rubens Pedreiro Lopes.
Publique-se no Diário da Justiça Eletrônico e disponibilize-se na página eletrônica da Coordenadoria da Infância e da Juventude
Entrementes, oficie-se à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça encaminhando-se cópia para conhecimento.
Encaminhe-se também, para conhecimento, aos Excelentíssimos Senhores Juízes de Direito com competência na área da Infância e da Juventude, via correio eletrônico, como anexo.
Por fim, junte-se este expediente ao Protocolo nº 2015/00042448, arquivando-se ambos conjuntamente.
São Paulo, 22 de abril de 2015.
Eduardo Cortez de Freitas Gouvêa
Desembargador
Coordenador da Infância e da Juventude