Despedida: "O problema do TJ não são os casos, é o descaso"

Autor: 
Telma Aparecida Soria, ex-psicóloga do TJ-SP

À AASPTJ-SP, assistentes sociais e psicólogos do TJ-SP,


Estou aprendendo como é difícil sair do TJ... é um grande aprendizado! A gente briga para entrar, briga para ficar e ainda tem de ter energia para brigar para sair. Soube, no departamento de exoneração que muitos servidores estão pedindo exoneração e que, após o início das nomeações do concurso para o Tribunal Federal (estou por fora deste concurso), que haveria uma avalanche de pedido de exoneração. A cúpula do TJ sabe disso e nada faz, nem paga quem está na ativa para motivá-los - vejam que pedi exoneração há uma semana e já não me sinto parte da instituição.


Estou aliviada com minha saída do TJ: os grilhões que me faziam andar curvada, fazendo muito esforço para seguir em frente ficaram para trás. Mas, lembrar que a população de Carapicuíba, tão carente de tudo, inclusive e, principalmente, de tratamento respeitoso e digno por parte do poder público, população tão necessitada de tanta coisa, que esta população está novamente sem psicóloga no TJ é de cortar o coração, sem desmerecer, pelo amor de Deus, o trabalho das assistentes sociais, o exército que vai a campo totalmente desarmado e sem retaguarda.


Meu trabalho, entre outras coisas, implicava em - o mais importante para mim - atender os usuários do fórum com respeito, dignidade, atenção e, muitas vezes, recebia abraços, sorrisos e olhares cheios de gratidão e cumplicidade. Essa era a parte mais importante do meu trabalho: poder ajudar, dentro da minha área e do que estava sendo determinado, mas com dedicação, independente das péssimas condições de trabalho, excessiva demanda que me limitava tanto. Montei minha caixa lúdica e nunca pude usá-la, pois não havia tempo. E ficava aquela sensação inquietante: eu devia ter feito mais, me aprofundado mais, mas não dava. Quando veio a determinação para ministrar curso para os pretendentes de adoção, audiências concentradas, pressão da juíza para eu fazer depoimento sem dano, percebi que ninguém no fórum (juízes e promotores) tinha noção do que era estar do meu lugar - SOZINHA.


Em momento algum esquentei cadeira. Fiquei muito feliz quando um promotor concordou com isso...


Aprendi muito no TJ, fiz muita supervisão, investi no meu trabalho, mas aprendi mais com a população. Esse aprendizado é impagável e inesquecível. Ninguém sai emocionalmente ileso do TJ. Cicatrizes indeléveis e lembranças lindas passam a nos acompanhar e temos de aprender a incorporá-las na forma em que percebemos a vida e suas misérias e suas maravilhas.


A vocês, assistentes sociais e psicólogos do Tribunal de Injustiça do Estado de São Paulo, tiro meu chapéu! Parabéns! Foi um prazer imenso estar com vocês, no trabalho no fórum, nos cursos, em encontros casuais e, principalmente, na praça. Separando o trigo do joio, rsrs, vou sentir - e já sinto - saudade de muitos acontecimentos, de muitos colegas de trabalho, do meu fórum e de outros. Fiz amigos e inimigos, este últimos, desculpem-me, mas tinha de lutar por condições dignas para atender à população. Muitas vezes não fui compreendida e, por exemplo, de pró ativa passei a ser considerada insubordinada. Como me orgulho do trabalho que realizei junto à população de Carapicuíba!!


Falo em nome de cada um de vocês, pois só vocês, psicólogos e assistentes sociais do TJ para compreender o alcance do que estou registrando nestas linhas.


Agora consigo ler, estudar, escrever, ouvir a música "Gente Humilde" sem chorar, apreciar a lua e minhas orquídeas, que finalmente floriram!!!! -Será que elas estavam me esperando para florirmos juntas? Queria florir no TJ. Entrei no TJ para me aposentar neste trabalho, mas o TJ não permitiu.


"O fogo queimou meu celeiro, mas agora posso ver a Lua!" (autor desconhecido)


"De tudo fica um pouco" (Drummond)


"Tudo vale a pena, se a alma não é pequena" (Fernando Pessoa)


"O problema do TJ não são os casos, é o descaso" (Telma Aparecida Soria)


Obrigada por tudo, colegas de trabalho e pessoal da AASPTJ-SP, que me acolheu nos meus momentos difíceis!


Nota da AASPTJ: Telma é psicóloga, ingressou no TJ no último concurso e atuava no Fórum de Carapicuíba, nossa companheira que há poucos dias assinou o pedido de exoneração, após lutar por vários meses para ser respeitada profissionalmente e, principalmente, para ver a população respeitada. Telma encaminhou esta carta à AASPTJ-SP e a todos os assistentes sociais e psicólogos do TJ-SP, autorizando a divulgação.


O descaso dos “gestores” do TJ-SP com a população é muito bem espelhado no descaso para com os próprios funcionários. A perda de uma profissional como Telma mais uma vez ratifica a dimensão desse desrespeito e dessa injustiça, do quanto a incompetência e o desinteresse estão “gerindo” a “Casa da Justiça”.


“Apenas” uma funcionária do Setor de Psicologia. E, assim, ao invés de empenho em nomear outros profissionais e garantir a ela o direito às mínimas condições de trabalho, Telma foi sobrecarregada, desrespeitada, desconsiderada e, ainda, aviltada na sua condição e qualidade de profissional. Certamente essas pessoas sequer sabem o que significa ser um funcionário público, nem ao menos têm noção da importância do trabalho dela e dos demais psicólogos e assistentes sociais do TJ-SP. Entretanto, mesmo assim, se sentiram no direito (ou com o poder) de recriminá-la e até de julgá-la uma insubordinada por reivindicar melhores condições de trabalho para bem atender ao público, nosso verdadeiro patrão, tão negligenciado e esquecido por aqueles que deveriam trabalhar por e pela JUSTIÇA.


Esperamos que suas palavras, emocionadas e emocionantes, sejam, finalmente, “ouvidas” pelos dirigentes do TJ [quem sabe por meio do nosso site...]. Dizemos ‘finalmente’, porque nos últimos tempos a direção do Tribunal, além de manter o arrocho salarial, não ampliar e nem recompor quadro de pessoal, instituir um ‘Plano de (contra) cargos e carreiras que não leva a lugar nenhum em termos de melhoria da situação dos servidores, tem se negado também, sistematicamente, a receber, a ouvir e mesmo a responder ofícios sobre questões específicas, como a defasagem do quadro de assistentes sociais e psicólogos frente à demanda que se amplia e às aposentadorias que se avolumam; jornada de 30 horas para psicólogos; jornada de 30 horas para chefias de Serviço Social; programa de supervisão, dentre outros. Quem sabe alguém menos insensível, ao “ouvir” a mensagem de Telma, se dê conta de que o que queremos é tão somente cumprir nosso compromisso de “servidores públicos”, com garantias de qualidade no trabalho, contribuindo para fazer a Justiça mais justa, em respeito aos direitos da população.


 


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