strict warning: Declaration of views_handler_filter_node_status::operator_form() should be compatible with views_handler_filter::operator_form(&$form, &$form_state) in /home/aasptjsporg/public_html/antigo/sites/all/modules/views/modules/node/views_handler_filter_node_status.inc on line 0.

Diálogos Interdisciplinares: Saúde mental e adolescência

Autor: 
Ana Carolina Rios

A Equipe Técnica das Varas Especiais da Infância e Juventude, em conjunto com as equipes do Ministério Público e da Defensoria Pública realizaram a terceira edição dos Diálogos Interdisciplinares. Este ano o tema foi: Saúde mental e adolescência. Mas, em 2015 o evento começou com uma notícia triste: um adolescente de 14 anos suicidou-se nas dependências da Fundação Casa, onde cumpria medida socioeducativa. “Quando realizamos evento aqui é sempre na busca de melhorar o atendimento, de conseguimos superar as dificuldades do nosso dia a dia e uma notícia dessa cai como uma pedra na nossa cabeça. É a realidade dizendo: ‘olha, é muito pouco o que se está fazendo’”, abriu a organização do evento.

Daniela Augusto Campos abriu o evento falando da importância de um evento com esta temática naquele espaço significativo (o evento ocorreu no auditório do Fórum das Varas Especiais), especialmente para o público ali atendido, pois se trata do local “onde se faz justiça”. Para ilustrar a realidade com que os técnicos se deparam em sua rotina de trabalho, a assistente social leu um trecho da música Mágico de Oz, do conjunto de rap Racionais MC’s:

"Comecei usar pra esquecer dos problemas.
Fugi de Casa.
Meu pai chegava bêbado e me batia muito.
Eu queria sair desta vida.
O meu sonho?
Estudar, ter uma casa, uma família.
Se eu fosse mágico?
Não existia droga, nem fome e nem polícia."


A primeira mesa de debates teve por tema “Fundamentos teóricos e históricos das práticas e políticas de saúde mental” e teve como participantes Mires Cavalcanti, coordenadora de Saúde Mental do Município de São Paulo; Raul Carvalho Nin Ferreira, defensor público do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos e Roberto Tardelli, promotor de justiça aposentado.

Mires falou sobre como funciona o atendimento de saúde mental voltado à criança e ao adolescente na cidade de São Paulo. “Quando eu comecei a atender crianças há 37 anos, o risco maior era o da desnutrição. Investíamos muito em acompanhar se a criança estava ganhando peso ou não. De quinze anos para cá, percebi no atendimento na periferia que o problema não era mais esse, mas sim a questão da violência o tráfico de drogas”. Ela conta que naquela época de 16 jovens mães e suas crianças atendidas, nove já eram viúvas por conta da violência, sempre relacionada à droga. Em sua exposição, trouxe dados alarmantes da nossa atualidade. Em 2013, 10 mil adolescentes foram assassinados no Brasil. Para ela, podemos falar em chacina étnica, já que a absoluta maioria desses jovens eram negros e pobres. “No Brasil, o direito à vida tem raça, cor, classe social e endereço”, desabafou.

Raul Nin trouxe algumas provocações e reflexões para a plateia. “Quero começar a minha fala alertando para o fato de que quando falamos sobre o uso de drogas por adolescentes, estamos falando de um tema recheado de concepções moralistas, de interesses políticos e sociais”, disse. Apontou para o fato de que conhecemos bem o aspecto criminal da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), mas pouca gente tem conhecimento da parte que estabelece a chamada Sisnad – Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – na qual há uma série de princípios e diretrizes muito importantes. “Em um dos principios do Sisnad a lei diz que é necessário compreender a intersetorialidade dos fatores co-relacionados com o uso dito indevido de drogas. Esta intersetorialidade significa o que? Significa que a política de drogas atravessa as políticas de educação, de saúde, de assistência, de Segurança Pública, etc.”, explicou. Pontuou que vivemos um sistema proibicionsita do uso de algumas drogas. “Existem drogas legais e algumas inclusive têm seu uso incentivado pelo estado e pela sociedade”, lembrou. “A escolha de quais drogas são permitidas e quais são proibidas não passa por qualquer critério técnico de proteção à saúde”. Para ele, há 40 anos vivemos uma cultura proibicionista e de guerra “às drogas”, na qual a relação da violência com o uso de drogas é feita de forma seletiva, racista e classicista. “Quem é preso hoje são negros pobres da periferia. No Brasil 90% dos presos foram presos em flagrante. Ninguém é preso por investigação no país. E destes, a maioria é preso por conta da ‘guerra contra as drogas’nas periferias. É a seletividade do Sistema Penal”, expôs.

O promotor aposentado Tardelli começou sua fala polemizando. “Estamos debatendo com as pessoas erradas. Todos nós concordamos com o que é dito aqui. Precisamos debater com quem se opõe a tudo isso”, alegou. “Somos o terceiro país no mundo em população carcerária, só perdemos para os Estados Unidos e para a China. Ocorre é que a lei que vem imperando é aquela que diz ‘olha a prisão é a última alternativa, é uma exceção’. Que exceção é essa? Alguém já viu uma exceção de 711 mil presos?”, questionou. “Esse poder de prender pessoas é fruto de preceonceitos dos próprios operadores da lei. Nos meus 39 anos de carreira posso dizer isso tranquilamente. Deram atribuições muito pregressistas para quem é conservador. O juiz que tem que ser garantista, não é, ele odeia aquela molecada”, disse.


Antes do início da segunda parte do evento, ocorreu uma apresentação cultural de um grupo de breakdance do Projeto Quixote. Por meio de uma apresentação de dança, os jovens contaram um pouco da história do movimento hip hop. Mostraram o papel do Graffiti e do Break nesta cultura de forma lúdica e divertida.


A segunda mesa de debates teve por tema “Reflexões a partir de experiências concretas de atendimento em saúde mental a adolescentes, em diferentes locais sócio ocupacionais”. Os debatedores foram Marco Magri, representante do Conselho Regional de Psicologia (CRP-SP); Bianca Ribeiro de Souza, assistente social do Núcleo de Assistência Técnica do CAO Cível e de Tutela do Ministério Público de São Paulo e Cecília Motta, psicoterapeuta especialista em álcool e drogas, gestora do CAPS II IJ Vila Mariana/Projeto Quixote.

Marco falou sobre as violações de direitos aos usuários de drogas e as comunidades terapêuticas. Ele critica Projeto de Lei 7663, que estabelece uma nova política antidrogas no país, entre outras coisas, incluindo as comunidades terapêuticas como participantes do Sinad. “Aprovada a lei, essas comunidades se transformarão em equipamentos reconhecidos pelo Estado como destino ‘oficial’ dos usuários de drogas. Hoje em dia, o fluxo desses usuários respeita as diretrizes do SUS, com o controle, de certa maneira, do Ministério da Saúde sobre o que está sendo feito. Com a entrada das comunidades terapêuticas no Sistema Nacional de Drogas, os usuários vão sair do Sistema Único de Saúde e vão entrar nesse tipo de sistema de atendimento que ainda é uma incógnita”, expôs. Para ele, esta inclusão das comunidades terapêuticas é preocupante, pois, independentemente dos resultados do trabalho desenvolvido, há relatos de violação dos Direitos Humanos.

Bianca falou sobre estudo exploratório que realizou sobre as internações compulsórias ajuizadas no anexo judiciário do Centro de Referência de Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod). Trouxe dados sobre o perfil das pessoas internadas, período de internação e o acontece após a alta hospitalar. Para ela, é necessário que reflitamos sobre duas considerações: 1- O consumo de drogas deve ser avaliado num contexto em que sejam considerados os aspectos econômicos, históricos, culturais, políticos e sociais. Priorizar apenas um aspecto que envolve a dependência de substância psicoativas, pode recair em um ciclo interminável de internações, as quais não transformam as reais condições de vida dos sujeitos em seus contextos comunitários e territoriais; 2- urgente avaliação pormenorizada sobre em qual conjuntura tem se dado essas internações, assim como da instituição da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no município de São Paulo, especialmente, por se tratarem, em sua maioria, de adolescentes com vínculos familiares extremamente fragilizados ou rompidos, em situação de rua e violados de suas necessidades básicas essenciais.

Por fim, Cecília abordou a experiência do  CAPS Quixote no atendimento a adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Ela contou como nasceu o projeto, a partir da preocupação de profissionais com o crescente uso do crack pela parcela mais vulnerável da população. “A droga faz parte do pacote que está na rua, assim como soldados que estão no front e outras pessoas em extrema situação de vulnerabilidade, expostas muito tempo a riscos, a gente precisa de alguma coisa para anestesiar. Nós todos, se passassemos três dias na rua, no primeiro já teríamos que tomar um ‘gorozinho’. É muita exposição, muita falta de referência e você não agenta”, alegou. “Então, faz parte do pacote ‘rua’. Eu até hoje só atendi um único menino em situação de rua que nunca usou droga porque ele tinha um problema de transtorno alimentar, ele comia muito e a família estava em situação de miséria, então ele ficava na rua porque lá comia muito bem”, completou. Por este e outros motivos, a psicoterapeuta nos atenta para o cuidado de não criminalizarmos e nem patolagizarmos a infância e juventude brasileira.

 


Bookmark and Share