Manifestação do CFP sobre reportagens de depoimento especial

Na última semana após depoimento da apresentadora Xuxa Meneghel ter sido vítima de violência sexual na infância, a Globo apresentou reportagens sobre o depoimento especial em seu portal de notícias G1 (http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/05/pais-tem-poucas-salas-especiais-para-ouvir-criancas-vitimas-de-estupro.html)  e no programa Profissão Repórter (http://www.youtube.com/watch?v=aR6E8gz-yTQ).

Nestas matérias, o depoimento especial é apresentado como uma metodologia que ajuda a diminuir o trauma das vítimas e também contribui para a tomada de decisões mais justas nos processos criminais envolvendo o estupro de vulnerável. No entanto, sabe-se que o Conselho Federal de Psicologia e o Conselho Federal de Serviço Social se opõe ao exercício profissional dos psicólogos e assistentes sociais em colher depoimentos ou fazer inquirição judicial, uma vez que ambos tem papel relevante na escuta de crianças e adolescentes vítimas de violência, não com o objetivo único de produzir provas para a responsabilização do agressor.

Consideramos de fundamental importância que os profissionais reflitam e se mobilizem numa atuação pautada pela doutrina da proteção integral e em respeito de seus direitos humanos, pela legislação específica da profissão, em marcos teóricos, técnicos e metodológicos, de maneira que reiteramos nossas ressalvas ao procedimento denominado “Depoimento Especial”, baseado nas resoluções e nos pareceres do livro: *Escuta de crianças e de adolescentes: a proteção de direitos segundo especialistas*, disponível em:
http://www.aasptjsp.org.br/noticia/livro-escuta-de-crian%C3%A7as-e-de
-adolescentes-prote%C3%A7%C3%A3o-de-direitos-segundo-especialistas


POSICIONAMENTO DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA - CFP


Em relação à matéria publicada no dia 22 de maio de 2012, intitulada “País tem poucas salas especiais para ouvir crianças vítimas de estupro” o Conselho Federal de Psicologia vem manifestar sua posição em relação ao
chamado Depoimento Especial, que foi o foco da matéria.


A Escuta Psicológica de Crianças e Adolescentes envolvidos em situação de violência na Rede de Proteção vem sendo debatida pelo Conselho Federal de Psicologia, com a categoria e com especialistas de diversas áreas, como Direito, Antropologia, Educação, Saúde, Assistência Social e Justiça.

Há muito o CFP e a sua Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) demonstra preocupações em relação ao dispositivo denominado “Depoimento Especial”, tanto nos aspectos relativos ao exercício da profissão de psicólogo quanto no contexto dos direitos humanos de crianças e adolescentes.

Os debates sobre a temática, realizados por este Conselho, possibilitaram reflexões sobre os aspectos éticos, a necessidade de fortalecimento da rede de proteção, a autonomia profissional, a interdisciplinaridade, a
diversidade cultural e o papel do psicólogo.

O consenso sobre a atuação do psicólogo é que a escuta de crianças e adolescentes deve ser, em qualquer contexto, pautada pela doutrina da proteção integral, pela legislação específica da profissão, em marcos
teóricos, técnicos e metodológicos da Psicologia como ciência e profissão.

Com base nesses fundamentos não é papel do psicólogo tomar depoimentos ou fazer inquirição judicial, ou seja, colocar seu saber a serviço de uma
inquirição com o objetivo único de produzir provas para a conclusão do processo. O psicólogo tem sim papel relevante na escuta de crianças vítimas de violência e deve escutar a criança, mas escutar não é o mesmo que inquirir judicialmente.

É imensa a nossa preocupação com o tema, principalmente por ser uma evidente violação de direitos “sob o manto da proteção”. Entendemos que usar a criança como mero objeto de produção de prova em um espaço mais “humanizado” do que o corriqueiro, para nós, não garante direitos, apenas aponta o aprimoramento do sistema penal.

A sedução utilizada nesses espaços de “extração da verdade” em muito se aproximam daquela usada pelo abusador. A objetivação das subjetividades e a homogeneização das condutas desconsidera sobremaneira as especificidades de cada situação e desrespeita as singularidades.

A avaliação do sucesso do “depoimento especial” (e outros similares) se dá apenas pelo índice de responsabilização. O que ocorre com a criança depois da prisão do culpado perde-se no tempo e espaço, pois o interesse tem sido apenas a criminalização do autor de violência (desconsiderando inclusive que
na maioria das vezes é alguém muito próximo à criança e isso repercute sobremaneira nos desdobramentos da sua vida afetiva e familiar). Tem casos de suicídio, de desmantelamento de famílias, e outras atrocidades que estão sendo desconsiderados.

Temos muitas possibilidades de extrapolar o debate para além da questão procedimental e colocar a criança e adolescente (de fato) como sujeitos de direitos (inclusive garantindo-lhes a voz, quando espontaneamente se
manifestar).

A Resolução CFP nº 010/2010 instituiu a regulamentação da Escuta Psicológica de Crianças e Adolescentes envolvidos em situação de violência, na Rede de Proteção, e determina que é vedado ao psicólogo o papel de inquiridor no atendimento de crianças e adolescentes em situação de violência.

Por isso, mantemos e reafirmamos nossas ressalvas ao procedimento denominado “Depoimento Especial” e colocamos à disposição o acúmulo de debates e entendimentos do ponto de vista da Psicologia para que possamos garantir a proteção integral às crianças e aos adolescentes, sobretudo por sua condição peculiar de ser humano em pleno desenvolvimento, tal como proclama o Estatuto.


Bookmark and Share