Parecer 273/2015-J: Internações compulsórias
Parecer 273/2015-J
Processo 2015/33911
INTERNAÇÕES COMPULSÓRIAS - Há necessidade de criação de guia de internação com a comunicação à Secretaria Estadual da Saúde nas hipóteses de internação autorizada ou determinada pelo juízo do “paciente judiciário”, denominação utilizada pelo Conselho Nacional de Justiça. Parecer pela edição de provimento, na forma da minuta anexa.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Trata-se de reclamação formulada pelo magistrado de Embu-Guaçu a respeito de indevida invasão na independência funcional em razão de ofício expedido pela Defensoria Pública, questionando-lhe a internação de um adolescente (fls. 02/14).
A Seção do Controle Judiciário de 1º Grau informou que, em fevereiro do presente, o total de internações relacionadas à saúde mental foi de 908, sendo que 396 desse total se referiam às internações de idosos (fls. 17).
Após contato deste subscritor, a Secretaria Estadual de Saúde Pública indicou endereço eletrônico para o envio de eventuais guias de internação (fls. 24).
Foram realizadas reuniões com os escrivães judiciais das Varas Centrais de Família e Infância e Juventude, bem como com todas as integrantes do Gabinete da Secretaria Estadual da Saúde.
É o relatório.
OPINO.
Salvo opinião diversa de Vossa Excelência, há necessidade de estabelecer uma guia de internação nos feitos em que houver determinação ou autorização para internação, seja em instituições de saúde mental, seja de longa permanência.
As internações, em relação à saúde mental, são reguladas pela Lei da Reforma Manicomial (Lei nº 10.216/2001). Esse diploma legal estabelece três espécies de internação:
Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
O mesmo diploma legal atribui ao magistrado uma função anômala, uma vez que passou o juiz a ter que saber das condições do estabelecimento em que o paciente será internado, in verbis:
Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.
De grande importância é a postura do Conselho Nacional de Justiça, que editou a Recomendação nº 35, em 14 de julho de 2011, a qual dispõe sobre as diretrizes a serem adotadas em atenção aos pacientes judiciários e a execução da medida de segurança, cujo relevo ao tema exige que seja transcrita integralmente:
I – na execução da medida de segurança, adotem a política antimanicomial, sempre que possível, em meio aberto;
II – a política antimanicomial possua como diretrizes as seguintes orientações:
a) mobilização dos diversos segmentos sociais, compartilhamentos de responsabilidades, estabelecimento de estratégias humanizadoras que possibilitem a efetividade do tratamento da saúde mental e infundam o respeito aos direitos fundamentais e sociais das pessoas sujeitas às medidas de segurança;
b) diálogo e parcerias com a sociedade civil e as políticas públicas já existentes, a fim de buscar a intersetorialidade necessária;
c) criação de um núcleo interdisciplinar, para auxiliar o juiz nos casos que envolvam sofrimento mental;
d) acompanhamento psicossocial, por meio de equipe interdisciplinar, durante o tempo necessário ao tratamento, de modo contínuo;
e) permissão, sempre que possível, para que o tratamento ocorra sem que o paciente se afaste do meio social em que vive, visando sempre à manutenção dos laços familiares;
f) adoção de medida adequada às circunstâncias do fato praticado, de modo a respeitar as singularidades sociais e biológicas do paciente judiciário;
g) promoção da reinserção social das pessoas que estiverem sob tratamento em hospital de custódia, de modo a fortalecer suas habilidades e possibilitar novas respostas na sua relação com o outro, para buscar a efetivação das políticas públicas pertinentes à espécie, principalmente quando estiver caracterizada situação de grave dependência institucional, consoante o art. 5º da Lei n. 10.216/2001;
h) manutenção permanente de contato com a rede pública de saúde, com vistas a motiva a elaboração de um projeto de integral atenção aos submetidos às medidas de segurança;
i) realização de perícias por equipe interdisciplinar.
III – em caso de internação, ela deve ocorrer na rede de saúde pública ou conveniada, com acompanhamento do programa especializado de atenção ao paciente judiciário, com observância das orientações previstas nesta recomendação. (Sem destaques no original).
Não há como cumprir a recomendação sem que seja elaborado um instrumento que possibilite a comunicação qualificada entre as instituições.
O instrumento deve ter, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, uma orientação para que o magistrado fique sabendo que a internação que está sendo determinada ou autorizada não seja necessária. A razão dessa afirmação decorre de um conceito vago que é utilizado pela Medicina: internação determinada judicialmente é compulsória. Lendo o singelo e útil artigo dos psiquiatras forenses Daniel Martins de Barros e Antônio de Pádua Serafim, consta, no quadro resumo, a seguinte afirmação:
As internações determinadas judicialmente são chamadas compulsórias. (Parâmetros legais para a internação involuntária no Brasil in Revista de Psiquiatria Clínica, vol. 36, pág. 175)
Logo, ao se autorizar uma internação, como ocorreu no caso de deu origem a este expediente, que seria voluntária passa a ser compulsória, ao arrepio da lei.
Não é inútil dizer que, conforme a RDC 29/2011, a internação deve ser a última medida, in verbis:
Art. 1º.(...)
Parágrafo único. O principal instrumento terapêutico a ser utilizado para o tratamento das pessoas com transtornos decorrentes de uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas deverá ser a convivência entre os pares, nos termos desta Resolução.
Na alteração efetuada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência no Código Civil, esse mesmo raciocínio ficou expresso. In verbis:
Redação atual do Código Civil | Redação após a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Defi ciência |
Art. 1.777. Os interditos referidos nos incisos I, III e IV do art. 1.767 serão recolhidos em estabelecimentos adequados, quando não se adaptarem ao convívio doméstico. | Art. 1.777. As pessoas referidas no inciso I do art. 1.767 receberão todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar e comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimento que os afaste desse convívio.” (NR) |
O magistrado, diferentemente do que ocorre em relação às entidades previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, não tem nenhum poder fiscalizatório no tocante aos estabelecimentos de saúde, portanto não é raro observar situações de violação de direitos dos pacientes que, em algum momento, foram “pacientes judiciários”.
O “paciente judiciário”, denominação utilizada pelo C. Conselho Nacional de Justiça, pode ser oriundo de processos de interdição nos casos de idosos e adultos, ou pedido de autorização em razão de o paciente ser incapaz, bem como de medidas de segurança.
Apesar de não ser necessária a tutela jurisdicional quando há concordância dos pais ou representantes legais, muitos vezes o magistrado, premido por demanda das partes, defere o pedido de autorização. Infelizmente, há muitas instituições de internação que exigem do familiar do paciente, aproveitando-se do desgaste emocional em que se encontram, essa autorização, fraudando, pois, as exigências legais.
No caso que deu origem a este expediente, e.g., podemos observar que não houve laudo médico, como prescreve o art. 6º, caput, da Lei Antimanicomial, apenas atestado de um psicólogo (fls. 10), portanto ficou claro que a situação não é nem rara, nem hipotética.
O único meio que este subscritor reputa possível no Poder Judiciário em evitar situações como a que deu causa a este expediente, bem como possibilite a devida comunicação entre o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e a Secretaria da Saúde, seria a criação de uma guia com informações essenciais para a internação, órgão que compete, juntamente com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Conselho Estadual de Vigilância Sanitária e o Ministério Público, realizar a fiscalização das instituições.
O modelo em anexo foi debatido com todos os escrivães judiciais das Varas de Família e Sucessões e da Vara Central da Infância e da Juventude, bem como com as integrantes do Gabinete da Secretaria Estadual da Saúde, acolhendo-se as sugestões. Além dos dados essenciais para identificação do paciente judiciário, duas informações foram incluídas: a doença do paciente e o nome do médico com o número do seu cadastro no Conselho Regional de Medicina.
Diante do exposto, o parecer que se submete, respeitosamente, à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de criar a guia de internação por meio de provimento, conforme as minutas anexas.
Sub censura.
São Paulo, 23 de julho de 2015.
(a) PAULO ROBERTO FADIGAS CÉSAR
Juiz Assessor da Corregedoria
DECISÃO: 1. Aprovo tanto o parecer, quanto a minuta de provimento do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, determino, por três vezes alternadas, a publicação.
2. Após, comunique-se ao Conselho Nacional de Justiça.
São Paulo, 24 de julho de 2015.
(a) HAMILTON ELLIOT AKEL
Corregedor Geral da Justiça