Segundo Defensoria em Debate
No dia 9 de maio ocorreu o evento Segundo Defensoria em Debate com o tema “Políticas de enfrentamento ao assédio no Sistema de Justiça”. Promovido pela Associação dos Servidores da Defensoria Pública do Estado de São Paulo – ASDPESP – o evento reuniu profissionais da Defensoria Pública, do Ministério Público e do Tribunal de Justiça.
Os debates foram abertos pelo ouvidor da Defensoria Alderon Costa. “A ideia destes encontros é achar soluções, achar alguma forma de resolver as questões sem pensar em punições, sem pensar em quebrar vínculos, mas buscar soluções que resolvam para todos os lados. Este é um assunto muito caro para a Ouvidoria”, manifestou-se. Foi pensando nestas questões que a Ouvidoria passou a conversar de forma mais próxima com a associação dos servidores e com a Corregedoria-Geral da Defensoria e criou um grupo de trabalho sobre este tema.
Ele falou sobre uma pesquisa que foi realizada com servidores, defensores e estagiários. O trabalho revelou que 23% do universo total sofrem assédio moral. O grupo que mais revelou sofre assédio foi o dos defensores. Em relação ao tipo de assédio, para os servidores, geralmente é vertical (sofrem assédio de seus superiores) e entre os defensores, o tipo mais comum é o horizontal, ou seja, são assediados por outros defensores.
Em seguida falou o assessor parlamentar Rafael Pitanga Guedes, representando o defensor-geral. “É claro que qualquer caso de assédio é muito grave, então tem que ser olhado com bastante rigor e atenção pela instituição. Por isso, a importância do grupo de trabalho para discutir o tema dentro da Defensoria. Este tema é tratado como tabu na sociedade e a Defensoria não é uma ilha, nós recebemos funcionários e defensores que têm uma bagagem social e cultural que é reproduzida dentro da instituição”, expôs.
Representando a associação, Bruno Gozzi, falou um pouco sobre a legislação que aborda o tema e a ideia de se criar uma comissão vinculada à Corregedoria, baseado na proposta existente no TJ-SP, para centralizar os casos. “Cada caso nos dói muito e percebemos que um dos grandes problemas é que a vitima sente-se impelida a não denunciar”, alegou.
A segunda mesa foi composta por duas representantes do Grupo de Trabalho Assédio e Relações de Poder da Defensoria Pública. Marilene Alberini iniciou falando sobre a dificuldade institucional em falar sobre o tema. “Vou dizer a palavra: é assédio. Não é conflito, não é briga, é assédio moral e sexual. Não está lá fora, está aqui entre nós”. Falou também sobre a criação do GT no início de 2015e o primeiro evento, que foi realizado em outubro daquele ano e a importância da continuidade e aprofundamento do trabalho. “O assédio é uma marca perene, não é pontual. Por mais que a pessoa mude de setor, ela carrega junto com ela aquela marca do que ocorreu”.
Já a psicóloga Isabel Bernardes falou do paradoxo social do assedio. “O que vemos é um efeito de naturalização da violência na nossa sociedade. E a naturalização dificulta que percebamos quando somos autores de violência e também quando somos vitimas. É vergonhoso ‘ficar de mi mi mi’, então, a gente silencia”, explicou. Para ela, a experiência nos mostra que uma pessoas que sofre violência sexual e/ou psicológica é levada a não falar sobre isso e o silêncio faz com que ela adoeça.
A terceira mesa do evento tratou da “experiência de enfrentamento ao assédio no Tribunal de Justiça e no Ministério Público” e contou com a participação do desembargador Antonio Carlos Malheiros, presidente da Comissão de Assédio Moral do TJ-SP; Elisabete Borgianni, presidente da AASPTJ-SP e Jacira Costa Silva, presidente do Sindicato dos Servidores do Ministério Público de São Paulo.
Malheiros falou sobre a experiência no Tribunal e o quanto a criação da comissão e do CAPS (Coordenadoria de Apoio aos Servidores) incomodou muitos desembargadores e juízes. Ele relatou que em média atende três pessoas por semana e considera este número alto. “Uma das coisas que este trabalho me proporcionou foi que eu, que falo muito, estou aprendendo a ouvir e mais importante, ouvir com atenção”, relatou. Disse também que os casos de assédio são altos e geralmente ocorrem de forma vertical, mas também há casos em que ele percebe não ter ocorrido assédio, e já houve ocorrências em que o assédio ocorreu de forma vertical, mas de baixo para cima.
Elisabete falou da importância do trabalho que a comissão tem realizado no TJ-SP, com a participação das entidades representativas dos servidores. Contou que tudo passou a ser possível após a greve de 127 dias em 2010. “Desta greve surgiram duas coisas importantes: a união das mais de 20 associações que representam a categoria e a abertura de diálogo com o Tribunal, possibilitando uma mesa de negociação permanente”. Ela falou sobre a experiência da pesquisa organizada pela AASPTJ-SP e outras três entidades sobre a saúde dos trabalhadores no Judiciário paulista, que revelou como o TJ funciona como um “corpo partido”, o que facilita as relações de poder e os casos de assédio. Falou também sobre como os impedimentos do trabalho não são palpáveis e sim subjetivos e citou como exemplo o fato de a Defensoria Pública não ter ainda acatado a Lei Federal que instituiu a redução da jornada dos assistentes sociais para 30 horas.
Por fim, Jacira falou sobre sua percepção de como a violência ocorre no Ministério Público. “Como os servidores são concursados e não podem ser demitidos, a sensação que temos é que os superiores se não gostam de alguém começam a perseguir esta pessoa.” Ela relatou um caso que viveu de uma promotora que chamava os funcionários de incompetentes na frente de todos e ninguém reagia. Até que um dia Jacira foi chamada de “vagabunda” pela promotora e ela resolveu que não iria silenciar, denunciou a promotora com testemunho dos colegas. Para ela, a saída é esta: não se calar, denunciar.