Texto para reflexão: Casa grande e senzala
Tomo emprestado o título do livro de um dos grandes sociólogos e escritor brasileiro e também aproveito a seara aberta para o tema, por uma colega, neste mesmo espaço: apontava ela a semelhança da relação do Tribunal com os servidores com a que ocorria entre os senhores e vassalos na sociedade feudal.
Pois não é que neste nosso Tribunal as coisas se assemelham mais ainda com a lógica da exploração e apropriação que imperou no Brasil colônia, mas que fincou raízes profundas nas nossas classes dominantes e que perdura até os dias atuais.
Nós, trabalhadores da Justiça, somos vistos por eles, desembargadores, como habitantes da senzala. Aí nos esprememos em espaços exíguos, insalubres e até promíscuos, na medida da densidade populacional, por sala e metro quadrado. Isto quando há sala. Nesses lugares, são despejados sobre nossas costas volumes e volumes de processos e, não raro, uma voz imperiosa a nos ameaçar.
Lá, eles na sua casa grande acarpetada, móveis a Luiz XVI(se identificam também com os nobres europeus – não sabem que ele foi guilhotinado!?), comportamento de etiqueta a sugerir refinada civilidade – mas capazes das maiores truculências como temos assistido e sentindo. Por outro lado, grande parte deles é submissa ao governador de plantão, a quem se submetem em troca da mantença dos privilégios, de polpudos salários e poder político.
Nosso movimento de greve, ao exigir transparência, coloca em risco esses acordos, expõe a promiscuidade que mantém com outros poderes numa relação de barganha e o descaso com a Justiça paulista. Denunciamos esse festim com o dinheiro público onde imolam o princípio do bem comum, da república e dos ideais pelos quais deve se pautar uma instituição numa sociedade democrática.
Basta constatar que quando veem contrariados seus interesses senhoriais, os nobres desembargadores deixam cair a máscara de civilidade, e dão lugar à verdadeira face da truculência que não hesita em usar seu braço armado para espancar trabalhadores e atirar em mulheres.
Mas, tal como os senhores de escravos se tornavam mais violentos à medida que percebiam o sistema ruir, também vejo nessa truculência sem precedentes um sinal que já não se sustenta, que esse modelo autoritário e injusto não tem mais lugar em nossas instituições. A sociedade brasileira não abre mão dos valores democráticos que agora batem à porta do Poder Judiciário para que deixe entrar luz, nem que seja preciso arrombá-la através de uma CPI.
Se eles são os poderosos senhoriais protegidos em suas fortificações, nós servidores somos o espírito de luta, de indignação, de não submissão. Se hoje parte dos nossos companheiros de trabalho não aderiu ao movimento por estarem amedrontados e com o espírito alquebrado, não hesito em afirmar que em breve estarão conosco porque esse movimento não tem fim, ele não termina com reposição salarial e retorno ao trabalho, é um caminhar firme na luta pela democratização do judiciário e tratamento digno ao servidor público.
Não aceitaremos que o Judiciário paulista faça jus ao bordão de que “a Justiça está a serviço dos poderosos”. Não vai ser assim! Pois, estamos sentindo na pele como é ter direitos violados sem ter a quem recorrer, já que o simples direito de ver julgada a causa trabalhista de 45 mil servidores esbarra no poder que os senhores da decadente “casa grande” ainda têm junto a políticos retrógados e sabe-se lá com que troca de favores.
Por tudo isso, não vejo, em nenhum momento, motivo para me arrepender de ter entrado nessa luta, mesmo sabendo que ela exige sacrifícios – mas as conquistas não são assim? Nossa causa reivindica mudanças numa instituição fundamental para a construção da cidadania, e o servidor público é peça chave nessa construção, daí setores poderosos da sociedade terem interesse em desqualificá-lo, jogá-lo no limbo do descartável, do despojo. Mas, nós com essa luta dizemos não, não aceitaremos esse lugar.