Texto para reflexão: Sobre senhores e vassalos

Autor: 
Ana Lucia dos Santos, assistente social de Mongagua

Os trabalhadores do Judiciário paulista precisaram fazer uso de um instrumento constitucionalmente legal, o direito de greve, para defender uma conquista já assegurada, a reposição salarial, que não é feita pelo Judiciário há dois anos seguidos. Isto porque a cúpula do Tribunal decidiu que os funcionários não precisam receber a reposição da inflação. Da mesma forma, decidiu que a magistratura, ou seja, juízes e desembargadores, devem receber reposições mensais, além de verbas extras, sob a forma de vários auxílios (livros, aluguel e o mais recente auxílio-voto).  


Com este cenário, espera que os funcionários se conformem, que permaneçam quietos, como se fossem servos ou vassalos e eles os grandes senhores que ditam as regras, acima dos direitos constitucionais como se fossem homens iluminados e privilegiados.


Ora, não há modo mais vergonhoso de se posicionar do que este assumido pelo TJ de São Paulo, o maior do país, que deveria ser de JUSTIÇA, honrando sua denominação.               


Quando os funcionários dizem não, buscando manter a sua sobrevivência, o TJ ameaça, corta salários, faz toda sorte de pressões. Desconhece décadas de avanço no que se refere aos direitos dos trabalhadores. Desconhece as lutas sociais que foram travadas ao longo dos anos e que garantiram mais justiça, maior equidade e dignidade para os cidadãos, enquanto seres humanos merecedores do acesso aos frutos da sociedade.


O TJ desconhece o sentido da palavra NEGOCIAÇÃO, que é o que todos sabem que precisa acontecer nas sociedades plurais, com interesses divergentes. Desse modo, aposta no retrocesso, dando apenas respostas de força às justas reivindicações. Utiliza os aparatos de repressão do Estado, como se estivesse lidando com “bandidos” e não com trabalhadores.


Não é de se estranhar, se considerarmos que a estrutura hierárquica do Poder Judiciário representa o que há de mais retrógrado na nossa sociedade. Organiza-se tendo como base o poder de mando da hierarquia autoritária, da obediência cega e sem questionamentos.  Age como as instituições do século passado. Como grandes senhores feudais que se entendiam como proprietários também da vontade, dos desejos de seus servos, sendo possível toda a sorte de desmandos e o uso da força bruta, quando contrariados. Recusam-se a sentar numa mesa de negociação. Apostam na servidão.


É preciso que esses “Senhores” entendam de uma vez por todas que não são donos do dinheiro que gerenciam. Vem dos cofres públicos. Apenas administram um dinheiro que para seu uso tem regras estabelecidas. Não podem fazer uso do dinheiro público como se lhes pertencesse pessoalmente, para lhes garantir privilégios. Extrapolaram, exorbitaram em seus poderes, perderam a noção de direitos e de justiça, ironicamente.


Os momentos dessa greve vêm mostrando a esses “Senhores” o que eles não querem ver. Mostram que não somos vassalos. Por mais que a estrutura hierárquica do Tribunal consiga incutir na cabeça da maioria dos funcionários do judiciário, felizmente não na maior parte do tempo, a sensação de haver um chicote que nos açoitará no próximo minuto se não cumprirmos rapidamente as determinações e os prazos, não importa a que preço. E o preço é caro. Adoecemos. A saúde física e mental fica não raro comprometida.


Os jornais vêm mostrando que várias greves no Estado de São Paulo iniciaram juntamente ou depois da nossa e já acabaram em função das negociações e dos pactos estabelecidos, o que é esperado que aconteça.


E isto não aconteceu com o Judiciário paulista, pelas posições assumidas por sua cúpula, que não se revê. Mantém atitudes comparáveis a de Senhores proprietários de escravos do século passado ou de Senhores feudais. Totalmente incompatíveis com os dias de hoje.


A impressão é de que, para eles, pouco importa os prejuízos que ficam para a população, para os funcionários e suas famílias. Importa manter sua intransigência, autoritarismo e a garantia de privilégios. Apostam no desgaste dos funcionários em greve.


De fato, não há como negar que este momento é de grande desgaste para os trabalhadores do TJ em greve, com prejuízos materiais e emocionais, com limites distintos para cada um de nós. Entretanto, não podemos perder de vista que, independentemente do maior ou menor ganho imediato que tenhamos agora, movimentos de greve legítimos como este precisam acontecer para começar a minar e quem sabe romper, num futuro não muito distante a estrutura hierárquica autoritária que garante privilégios para alguns em detrimento da grande maioria de funcionários do Poder Judiciário.


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