ANCED faz pronunciamento público em defesa do ECA e SINASE

Fonte : 
Agência de Notícias Matraca

A Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED – Seção DCI Brasil, presente em 18 estados com 33 Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – CEDECAs filiados, coerente com a sua missão, reitera sua posição radical na defesa da vida como parte fundamental pela consolidação da democracia e do respeito à dignidade humana.

Vêm a público apresentar POSICIONAMENTO CONTRÁRIO a proposta de Projeto de Lei de autoria do Executivo que pretende alterar a Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) para instituir a chamada responsabilidade progressiva’ na prática de ato infracional graves, ampliado o tempo de internação (privação de liberdade) para até 8 anos, CONSIDERANDO QUE:

1. A proposta, para muito além de revelar o fracasso do Poder Público em implementar as políticas de inclusão previstas na Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), evidencia a inobservância aos princípios basilares da brevidade e excepcionalidade da medida socioeducativa, consolidado na normativa especial que regulamenta a matéria sobre adolescente autor de ato infracional, na medida em que permite que os adolescentes permaneçam privados de liberdade mais da metade do tempo de sua adolescência, e representa um passo perigoso e irreversível rumo ao agigantamento do Estado Penal brasileiro.

2. Ao clamor popular que se formou em torno das midiáticas propostas de redução da maioridade penal deveriam se seguir esclarecimentos contundentes sobre o estado da arte da realidade social nacional e não respostas sensacionalistas. É do Estado brasileiro o dever de explicar à sociedade o caráter repressivo da legislação penal, notadamente daquela que se volta contra os menores de 18 anos.

3. A restrição de direitos da população juvenil, seja através da redução da maioridade penal ou da instituição da responsabilidade progressiva, não deveria ser cogitada antes que os direitos econômicos, sociais e culturais previstos e garantidos pela Constituição Federal e pelo ECA estivessem acessíveis à justiça juvenil. Supor que a responsabilidade progressiva atuará positivamente na inibição de novas práticas delitivas é um ato de fé que ignora a realidade e aposta, sem embasamento sociológico ou estatístico, na capacidade dissuasória da pena. Ademais, ignora os reconhecidos e provados efeitos negativos da privação de liberdade, notadamente, na pessoa humana em condição peculiar de desenvolvimento.

4. Trata-se de uma iniciativa tendente a ampliar o poder de polícia e a reduzir o estado de direito, por todos os contornos e especificidades do projeto. Esse tipo de proposta só amplia o campo de atuação de Estado Penal “enriquecendo” as possibilidades de um Estado absolutista que impõe freios ao Estado democrático, criando mera atuação retribucionista fazer frente à pura ausência de políticas públicas inclusivas, ou mesmo para ceder à pressão dessa mídia punitiva que está instalada dentro do Brasil.

5. O debate com a sociedade e sua representação mais conservadora não revela os efeitos nefastos das medidas de internação sobre o desenvolvimento dos indivíduos, bem como a incapacidade do próprio Estado em promover encarceramento digno, acentuando que a responsabilidade progressiva ou a redução da maioridade penal são respostas emocionais e simbólicas para um problema que é real. A ANCED não crê em qualquer caminho que credite ao direito penal funções transformadoras.

6. Os Princípios de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) vedam a “reforma legislativa para pior” (in pejus), com a possível diminuição dos níveis de promoção-proteção de direitos fundamentais e direitos humanos positivados em qualquer faixa etária, especialmente na adolescência, que pressupõe um período de desenvolvimento físico, psíquico e cidadão do sujeito. Com base em dados oficiais dos três últimos anos, do Ministério da Justiça, Ministério da Saúde, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Relatórios do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Mapas da Violência, Conselho Nacional de Justiça, ANDI – Comunicação e Direitos, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e publicações de organizações de direitos humanos e de especialistas torna-se necessário, também, CONSIDERAR-SE QUE:

7. Em 2011, para aproximadamente 21 milhões de adolescentes no Brasil, havia menos de cem mil deles apresentavam algum tipo de registro no Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei, do Conselho Nacional de Justiça, menos de trinta mil deles estavam em cumprimento de medidas socioeducativas e por fim, apenas dezoito mil se encontravam em privação de liberdade;

8. O sistema socioeducativo de privação de liberdade, mantém estabelecimentos degradados, com práticas de maus tratos e/ou sem qualquer projeto pedagógico e negando o direito constitucional de acesso à justiça, inclusive com predomínio de medidas de privação de liberdade, sustentadas em fundamentações extrajurídicas que, em geral, se contrapõem ao próprio ordenamento legal, por fim, que as medidas aplicadas em meio aberto não funcionam em condições razoáveis; enfim, o relatório publicado recentemente pelo CNJ, onde recomenda o fechamento das unidades socieducativas dos estados da Bahia, Piauí, Amapá, Espirito Santo e do Distrito Federal, dá visibilidade às graves violações cometidas no interior dessas unidades.

9. Em 2011, apenas metade dos adolescentes entre 15 e 17 anos tinha sua escolaridade adequada à sua idade; o número de anos de estudos é de sete anos, em média, não atingindo aos nove anos do nível fundamental, sendo que parte dessa defasagem ou abandono da escola é por gravidez precoce ou exploração do trabalho;

10. Um grande contingente de adolescentes brasileiros vivem situações de exploração do trabalho, nas suas piores formas: exploração sexual, trabalho ilícito no tráfico de drogas e/ou outras atividades criminosas e trabalho doméstico, muitas vezes escravo.

11. Grande parte dos adolescentes sofre, tem graves prejuízos – ou mesmo é assassinado – pela violência intrafamiliar, pelo racismo, machismo, homofobia e mesmo de situações presentes nas práticas das próprias instituições que deveriam atendê-los, educá-los e protegê-los, trazendo graves prejuízos físicos e psiquícos, podendo mesmo chegar ao assassinato ou outra maneira de morte;

12. Quatro em cada dez brasileiros que vivem na miséria são crianças e adolescentes sendo que, deste total 38% tem mais de 14 anos e vivem na pobreza e pobreza extrema, muitas vezes em situação de rua e expostos a outras situações de vulnerabilidade e má distribuição de renda neste país é um dos principais responsáveis pelo genocídio e extermínio de crianças, adolescentes e jovens.

13. O uso abusivo de álcool e outras drogas ainda não encontra respostas eficazes do ponto de vista da educação, da assistência e da reabilitação psicossocial, apresentando ações coercitivas de prática manicomiais que ignoram as leis e todos os avanços da Reforma Psiquiátrica;

14. O sistema de garantia de direitos, que deveria defender e prevenir agravos contra os direitos de crianças e adolescentes, não está integralmente institucionalizado e vem trabalhando de forma desarticulada, com problemas na qualificação de seus operadores, com grave prejuízo na implementação das políticas públicas necessárias;

15. A mídia brasileira em geral, forja e alimenta a ideia de que os adolescentes pobres são perigosos por natureza, fazendo matérias com coberturas superficiais, parciais e mesmo tendenciosas, inclusive distorcendo fatos e apresentando dados equivocados. Não raro, seus delitos são amplificados e processos de criminalização e discriminação diversos, a que eles já estão expostos, são agravados.

16. Entre 1980 a 2010, os índices de homicídios da população em geral aumentaram 259%, mas entre as crianças e os adolescentes cresceram 376% a maior parte negros e pobres: são cerca de dezesseis crianças e adolescentes assassinados por dia, geralmente por armas de fogo;

A partir de tais considerações, a ANCED entende que muitos adolescentes brasileiros, submetidos aos efeitos de uma perversa desigualdade social e a outras grandes violências, têm enfrentado, precocemente e sem possibilidade de defesa, experiências que, destroçam ou pelo menos afetam as possibilidades de terem sonhos e projetos de futuro. Os clamores pela redução da maioridade penal, aliás, recorrentes há pelo menos quinze anos, crescem diante de algum delito grave cometido por um adolescente pobre e logo minguam com a notícia de delito praticado por adolescente de classe média ou alta. O brado da opinião pública, reforçado pela mídia conservadora, desconsidera os avanços legais obtidos para erguer um novo país, onde todos os brasileiros tenham direitos iguais, sem discriminações, para se tornarem cidadãos construtores de uma verdadeira nação.

Cumpre romper com o mascaramento da realidade violenta, divulgando os fatos, alimentando corretamente as informações. Nesse sentido, a ANCED vem cobrar ações concretas para o fortalecimento dos sistema de garantia de direitos, dando à infância e adolescência sua devida prioridade absoluta, conforme texto legal.

Por outro lado a ANCED propõe que:

Seja dada visibilidade à escuta aos corpos e às vozes dos meninos e meninas, de suas famílias e de seus coletivos; seja pensada, junto com eles novas possibilidades e, enfim, que sejam divulgadas devidamente as iniciativas exitosas na construção de uma juventude cidadã.

Que sejam instaurados processos e procedimentos restaurativos na aplicação das medidas socioeducativas, integrando o adolescente, a sua família e a comunidade, e quando possível, se consentido, a famíia ou indivíduo atingido pela prática infracional. Haja investimento na formação dos trabalhadores que atendem essa população, em uma perspectiva interdisciplinar e intersetorial.

Sejam promovidos debates junto aos meios de comunicação social, visando discutir seu papel de produção de representações sociais que interferem no processo que a opinião pública incorpora como verdade;

Causa perplexidade e preocupação que a resposta pensada pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) e por pessoas de trajetória respeitável na militância pelos direitos humanos, seja propor o aumento do tempo de cumprimento de medidas socioeducativas, talvez para ceder às supostas pressões que terminariam por impor alterações mais drásticas e ecoando algumas práticas reconhecidamente menoristas, pautadas numa política de carater unicamente higienista, sob o manto do discurso da proteção.

Diante do quadro de múltiplas violações de direitos humanos a que a criança e o adolescente têm direito, certamente estudado e apresentado em artigos científicos, relatórios de pesquisa e trabalhos de campo dos conselhos de direitos, a iniciativa proposta, malgrado a seriedade e boa intenção que a inspira, produzirá mais repressão, mais prisão, mais violência, reproduzindo o que vivem e viveram desde seus pais e avós, pós-abolição do trabalho escravo, no século XIX.

Para aderir ao Pronunciamento, envie uma mensagem a anced@anced.org.br indicando nome completo, documento de identidade, instituição/organização e cidade.

Referências:

http://www.andi.org.br/infancia-e-juventude/pauta/cadastro-nacional-registra-mais-de-86-miladolescentes-em-conflito-com-ahttp://

www.cnj.jus.br/noticias/cnj/14244-pais-tem-mais-de-86-mil-adolescentes-inscritos-emcadastro-de-infratores

http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/25582-cnj-propoe-o-fechamento-de-unidades-de-internacao-de-jovens-emcinco-unidades-dafederacao?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+noticiascnj%2FmZae+%28NOT%C3%8DCIAS_CNJ%29

http://www.unicef.org/brazil/pt/activities.html


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