Entidades e especialistas debatem Projeto de Lei 3792/2015 (escuta de crianças e adolescentes vítimas de violência)
Representantes da Associação dos Assistentes Sociais e Psicólogos do Tribunal de Justiça (AASPTJ-SP), da Associação Nacional dos Assistentes Sociais e Psicólogos da Área Sociojurídica (AASP Brasil), e profissionais do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), do Conselho Federal de Psicologia (CFP), do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo (CRESS-SP), do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), do Conselho Regional de Serviço Social de Minas Gerais (CRESS-MG), do Núcleo de Assessoria Técnica do Ministério Público (NAT/MP-SP), da Defensoria Pública de São Paulo e da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, reuniram-se, em São Paulo, no último dia 9 de março para a Oficina “A criança vítima ou testemunha de violência e sua exposição ao Sistema de Justiça – Debates sobre o PL 3792/2015”. Também participaram as especialistas no tema Esther Arantes, psicóloga e professora da UERJ e Eunice Fávero, assistente social e professora da Unicsul.
O objetivo do evento era o de debater o Projeto de Lei, que institui a escuta de crianças e adolescentes vitimas ou testemunhas de violência, e pensar em alternativas e possíveis emendas ao projeto.
Todos os presentes mostraram preocupação com a crescente implantação de metodologias conhecidas como Depoimento Sem Dano por todo o país e como estas sensibilizam a sociedade com a roupagem de “protetivas” às crianças, quando na verdade se prioriza a responsabilização e a criação de provas processuais. Muitos apontaram que o Projeto de Lei indifirencia “escuta” de “depoimento”, “oitiva” de “avaliação”, como se fossem conceitos sinônimos.
Esther falou sobre a ausência de diversas legislações de referência da área da Infância e Adolescência, por exemplo, que o primeiro artigo do PL, excetuando o artigo 227 da CF, não menciona nenhuma legislação nacional. “Por que este desconhecimento? Não me parece ser uma omissão gratuita. Cita a legislação internacional mas não menciona o ECA; as Resolução do Conanda (particularmente as Resoluções 113 e 169); os diversos Planos Nacionais, entre os quais os da Convivência familiar e Comunitária e o Plano de Combate à violência sexual contra crianças e adolescentes; as diversas Políticas Públicas, principalmente as de Saúde e Assistência; e nem a Lei do SINASE. Esta omissão me parece proposital", expôs.
Já Eunice apontou em sua fala o paradoxo do projeto que “em sua justificativa diz estar preocupado com a violência sofrida pela criança no Sistema de Justiça, mas ao mesmo tempo é elaborado predominantemente por juízes, promotores, juristas, ou seja, por profissionais de áreas que muita vezes revimitizam a criança por não terem como preocupação central a proteção e sim a responsabilização”.
Entre outras coisas, os participantes levantaram estes pontos que necessitam de atenção no Projeto de Lei:
- O PL não se referencia nas legislações e normativas nacionais sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, como ECA e resoluções do CONANDA;
- O PL indifirencia “escuta” de “depoimento”, “oitiva” de “avaliação”. E também indiferencia a concepção de criança e de adolescente. Trata estes conceitos como se fossem equivalentes, quando, na verdade, referem-se a concepções diferentes;
- Concebe que crianças de qualquer idade podem ser ouvidas, o que pode implicar no seu próprio entendimento do fenômeno e em sua capacidade de consentir sobre este depoimento, não discutindo os debates relacionados à primeira infância;
- Assujeitamento das políticas públicas às determinações do sistema de justiça, o qual desconhece os objetivos específicos destas políticas;
- Indiferencia o processo penal das políticas públicas: coloca os profissionais a serviço da produçao de provas;
- O PL tenta criar novos constructos, se desviando do que já existe em termos de tipificações dos serviços nas áreas de saúde, assistência social e do próprio Sistema de Garantia de Direitos;
- A ausência de participação das políticas públicas na discussão, faz com que o PL ignore a dinâmica dos serviços já criados, além de tentar criar um grande complexo de serviços que contemplem, pretensamente, a execução de diversas políticas públicas, quando, na verdade, tenta suprir as necessidades do processo judicial;
- O PL parte do pressuposto de que falar várias vezes é revitimização, o que nem sempre acontece quando a criança traz a revelação de forma espontanea. Revitimizante é a obrigação de falar;
- O PL diz que a criança tem o direito de permanecer calada, mas explicita que, neste caso, ela será informada sobre as implicações de não depor, o que viola a sua liberdade de escolha;
- Apresenta o tempo todo a superioridade do direito em relação às outras áreas;
- Quem controla a violência institucional perpetrada pela segurança pública e pela justiça e qual será o critério utilizado para definição desta violência?
- O PL parte do pressuposto de que toda manifestação sexual na infância/adolescencia pode ser um abuso. Os jogos sexuais entre crianças e adolescentes, de idades não tão díspares, poderão ser vistas como abuso sexual;
- PL conceitua as violências e ao mesmo tempo chancela esta violência;
- Na sua concepção, o PL aniquila a autonomia dos profissionais;
- Desespecialização das varas da infância;
- Violação do sigilo do profissional.
Após amplo debate sobre como fazer frente ao Projeto de Lei e pensar alternativas, os presentes aprovaram os seguintes encaminhamentos/pontos de trabalho, entre outros:
- Qual será o posicionamento em relação ao PL: proposição de alterações para aperfeiçoá-lo ou arquivamento? Criação de um PL substitutivo?
- Estratégias de discussões com as categorias profissionais, dentre elas, a efetivação de seminários sobre o tema;
- Audiências Públicas com a participação de todos os atores;
- Pensar em estratégias jurídico-políticas para a questão;
- Buscar informações sobre como se deu a participação dos sujeitos mencionados no grupo de trabalho do PL;
- Discutir quem defende a criança no processo judicial – Ministério Público ou Defensoria Pública?
- Participação das políticas de assistência social, saúde e educação na elaboração do PL;
- Os profissionais é quem deverão dizer quais serão as metodologias de trabalho;
- Propor ação junto ao Supremo Tribunal Federal para saber se o Judiciário tem poder de alterar o poder regulamentar concedido por lei aos Conselhos Federais;
- Defesa da proteção da criança e do adolescente bem como a autonomia profissional
- Inclusão desta questão como pauta no CONANDA;
- Reunião com CONANDA antes de uma possível discussão com a deputada Maria do Rosário (PT), autora do projeto;
- Agendamento de uma nova reunião com o grupo da oficina para após avaliar possibilidade de se reunir com a deputada – a ser realizada em abril;
- Articulação com CNAS;
- Produzir um relatório desse encontro e protocolar com a deputada Maria do Rosário;
- Articular com os movimentos sociais para discussão;
- Mobilização para conscientização da temática;
Nova reunião irá ocorrer em abril para dar andamento aos encaminhamentos.
Participantes da reunião:
Ana Carolina Rios – AASPTJ-SP e AASP Brasil
Ana Luisa Coelho Moreira – Secretaria Nacional de Assistência Social
Bruno Amaral dos Santos – AASPTJ-SP
Célia Laura Trento – AASPTJ-SP
Cláudia Anaf – AASPTJ-SP
Claudio Lopes – CRESS-SP
Cristina Fumi Sugano Nagai – Defensoria Pública
Eduardo Campos Neves – AASPTJ-SP
Elisabete Borgianni – AASPTJ-SP e AASP Brasil
Esther Arantes
Eunice Fávero
Fatima Zanoni Mastelini – AASPTJ-SP e AASP Brasil
Genecy Duarte – AASPTJ-SP
Giseli Assoni – CRP-SP
Gustavo de Lima Bernardes Sales – CRP-SP
Josiane Gomes Soares – CFP
Leonardo David Rosa Reis – CRESS-MG
Lidiane Almeida Dias – Defensoria Pública
Ligia Guerra Garcia – AASPTJ-SP
Lilian Magda de Macedo – AASPTJ-SP
Luciana de Matos Dias – AASPTJ-SP
Luciano Alves – CRESS-SP
Maíla Rezende Vilela Luiz – AASPTJ-SP e AASP Brasil
Mara Renata da Mota Ferreira – Defensoria Pública
Marcia Miranda Gonsalves – AASPTJ-SP
Margarida Maria Buosi – AASPTJ-SP
Maria Abigail Farinazzi – AASPTJ-SP
Maria Helena Correa – AASPTJ-SP e AASP Brasil
Marília Marra de Almeida – Defensoria Pública
Maristela Colombo – AASPTJ-SP
Maurílio Castro de Matos – CFESS
Melina Machado Miranda – Defensoria Pública
Nanci Adelina da Rocha Kurata – AASPTJ-SP e AASP Brasil
Patricia Shimabukuro – Defensoria Pública
Paula Rosana Cavalcante – Defensoria Pública
Pedrina Celismara Ornelas – AASPTJ-SP
Regiane Aparecida Piva – CRP-SP
Sonia Guerra Garcia – AASPTJ-SP
Sylvia Helena Terra – CFESS
Tereza Rosali Hara – AASPTJ-SP
Thiago Pugina – AASPTJ-SP
Vilma Regina da Silva – AASPTJ-SP
Wilson Flávio Lourenço Nogueira – CRP-SP